Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Refis pouco disfarçado

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

Quando se trata de decidir sobre uma proposta que prejudica o Fisco para beneficiar contribuintes devedores, muitos dos quais são contumazes maus pagadores de impostos, boa parte dos congressistas não costuma ter dúvidas: vota a favor. Na questão de parcelamento ou anistia parcial de débitos tributários, o que os parlamentares votam na maioria das vezes, por deliberada ação do relator da matéria, é a completa desfiguração da proposta original. Este é o caso do novo texto que o deputado Tadeu Filippelli (PMDB-DF) deu à Medida Provisória (MP) nº 449, da qual é o relator na Câmara dos Deputados. O texto de Filippelli deverá ser votado em breve pela Câmara, com grande possibilidade de ser aprovado. A MP 449 foi assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 3 de dezembro de 2008, como parte do conjunto de medidas tributárias destinadas a aliviar a situação financeira dos contribuintes, com o objetivo de evitar o agravamento da crise econômica. A MP é extensa. Muda a legislação a respeito do parcelamento de débitos tributários, inclusive os previdenciários, anistia parte de dívidas antigas, procura acelerar a solução de contenciosos tributários, especialmente relativos ao Imposto sobre Produtos Industrializados, e adapta a legislação à nova estrutura do Fisco (resultante da criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil, que absorveu as funções da antiga Secretaria da Receita Previdenciária). É um documento longo, com 66 artigos, mas dele o que interessa particularmente ao contribuinte comum é o que dispõe sobre o parcelamento de dívidas de pequeno valor, de até R$ 10 mil, vencidas até 31 de dezembro de 2005 (as dívidas de até R$ 10 mil inscritas na Dívida Ativa da União que, em 31 de dezembro de 2007, estavam vencidas há mais de cinco anos foram perdoadas). A MP institui um mecanismo que combina prazos de pagamento com vantagens financeiras. Quanto menor o prazo, maiores as vantagens. Assim, para pagamento à vista ou em seis parcelas mensais, haverá redução de 100% das multas e encargos legais e de 30% dos juros. Para pagamento em 60 meses, prazo máximo previsto na MP, haverá redução de 100% dos encargos legais e de 40% das multas. O relator multiplicou por quatro, para até 240 meses, o número máximo de prestações mensais. Ampliou o número de devedores que podem se beneficiar da medida, pois estabeleceu que o parcelamento se aplicará a dívidas vencidas até novembro do ano passado (são praticamente três anos mais do que o prazo original). Por fim, aumentou as reduções de juros, encargos legais e multas, para todos os prazos. Como mostrou reportagem de Adriana Fernandes publicada no Estado no dia 10, na prática o relator transformou a MP 449 num novo Refis, como ficaram conhecidos os generosos programas de refinanciamento de débitos tributários lançados nos últimos anos. Esses programas reabilitaram contribuintes inadimplentes, alguns com longo histórico de não-pagamento de tributos, habilitando-os a celebrar contratos com órgãos públicos e a participar de licitações para execução de obras e fornecimento de serviços ao governo federal. Tão logo readquiriram tal direito, esses contribuintes deixaram, novamente, de honrar seus compromissos. Para eles, esses programas são muito úteis. Do ponto de vista da arrecadação, porém, eles são quase inúteis, pois muito pouco das dívidas renegociadas foi recuperado pela Receita Federal. Se a versão desfigurada da MP 449 se tornar lei, seus resultados não serão diferentes. Esses programas estimulam o não-pagamento de tributos e representam uma punição para o contribuinte que paga seus impostos em dia. Se a versão do relator for aprovada na Câmara e no Senado, o governo deve vetá-la, pelo menos no que ela se caracterizar como um novo Refis - o texto já é conhecido como "Refis da crise" -, preservando o que ela tiver de benéfico para os contribuintes honestos, especialmente os que, temporariamente, tiveram dificuldades para honrar seus compromissos fiscais. Isso é indispensável num momento em que, por causa da crise, a arrecadação desaba.