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Reforma eleitoral polêmica

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Por Redação
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A sessão permanente de escândalos em que vive o Congresso, imerso numa crise moral como poucas na sua história recente, acaba de produzir o efeito perverso de estigmatizar a iniciativa de levar à ordem do dia uma proposta de reforma do sistema eleitoral e do financiamento das campanhas. Compreensivelmente, talvez, dado o profundo descrédito que os parlamentares fizeram por merecer da opinião pública, o projeto tem sido recebido como uma jogada duplamente maliciosa. Serviria, primeiro, para desviar as atenções da rotina de abusos nas duas Casas do Legislativo. Segundo, para acobertar os seus responsáveis. Isso porque, se a mudança passar, o que parece duvidoso, o eleitor deixará de votar em nomes para deputado e vereador, para votar em listas partidárias fechadas; ficaria assim, argumenta-se, impedido de punir nas urnas os políticos que desonraram o mandato popular. Na realidade, nem a proposta surgiu do nada nem o Congresso carece de legitimidade para apreciá-la: sustentar o contrário equivaleria a pregar o seu fechamento branco. Faz quase 15 anos, em surtos intermitentes, que a reforma política - cuja peça de resistência é a alteração das regras eleitorais - entra nas cogitações dos legisladores. A permanência do problema e a incapacidade de resolvê-lo comprovam que os padrões da representação, praticamente intocados desde 1945, não só caducaram, como constituem, em si, uma barreira à transformação dos costumes políticos nacionais. O mais perto que se chegou da reforma foi em junho de 2007, quatro anos depois que uma comissão especial da Câmara aprovou, entre outras inovações, a substituição, nas eleições proporcionais, do voto em candidatos singulares pelo voto em partidos, com as suas listas pré-ordenadas de candidatos. O pacote pereceu em plenário, embora o seu ponto mais polêmico tenha sido abrandado no substitutivo que previa a adoção de uma variante da chamada lista flexível: o eleitor, além de escolher uma legenda, poderia também votar em um dos nomes da relação. O fracasso da reforma levou o governo, pela primeira vez, a intervir na matéria. Em fevereiro, o Planalto enviou uma proposta que retoma a ideia da lista fechada, institui o financiamento público exclusivo das campanhas, permite aos detentores de mandatos eletivos trocar de sigla em anos eleitorais (no mês que antecede as convenções partidárias), proíbe as coligações nas eleições proporcionais, altera a distribuição do tempo dos partidos no horário eleitoral e fixa um piso de votos para o acesso dos partidos às câmaras e assembleias estaduais (cláusula de desempenho). Esse projeto foi o ponto de partida para o texto que o presidente da Câmara, Michel Temer, quer pôr em votação ainda no primeiro semestre. Elaborado pelo deputado Ibsen Pinheiro, do PMDB gaúcho, é apoiado também pelo PT, DEM, PPS e PC do B. As demais legendas estão divididas e o PR fechou questão contra. Do cardápio de mudanças oferecidas - a rigor, as mesmas de sempre -, deu-se prioridade às do sistema eleitoral e do financiamento, que podem ser aprovadas por maioria simples. As duas medidas andam juntas: só tem sentido implantar o financiamento público se o voto for partidário. Para os seus defensores, o maior desafio é evitar que o debate de mérito da proposta seja contaminado pela versão de que ela não passa de um golpe para os políticos saírem impunes do pântano moral em que se atolaram gostosamente. As críticas mais estridentes ao voto em listas fechadas, por sinal, fazem lembrar a propaganda contrária ao parlamentarismo no plebiscito de 1993. Dizia ela, caricatamente, que "as elites" queriam "tirar o direito do povo de eleger o seu presidente". O fato é que o sistema que o Brasil compartilha com apenas quatro países é disfuncional. Nele os políticos prevalecem sobre os partidos. Graças a ele a fisiologia campeia. E nem sequer cria vínculos robustos entre eleitores e candidatos: dois meses depois da eleição, mostra uma pesquisa, 56% dos eleitores já não lembravam em quem tinham votado para deputado federal. (Nas democracias que seguem o critério da proporcionalidade, 14 adotam as listas fechadas e 8, as flexíveis.) De todo modo, a julgar pelo retrospecto, a aprovação das novas regras é incerta. Pode ser, em suma, que se esteja fazendo muito barulho por nada.