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Reforma trabalhista

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Por Hélio Zylberstajn
3 min de leitura

Finalmente, e felizmente, há um fato novo no debate sobre a reforma trabalhista: o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista está propondo que as empresas e os trabalhadores sejam autorizados a negociar a aplicação de direitos previstos em lei em seus respectivos locais de trabalho. Para que os dois lados possam negociar a aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) haverá duas condições.Primeiro, a empresa deve reconhecer previamente a representação sindical dos trabalhadores no seu âmbito. Segundo, o sindicato tem de comprovar que representa realmente os trabalhadores da empresa.Satisfeitas essas duas condições, a nova lei oferecerá garantias e segurança jurídica para que empresários e trabalhadores "reformem" normas específicas, adaptando a sua aplicação às necessidades específicas compartilhadas.A proposta é fruto da prática de um modelo de relações de trabalho diferente do usual que esse sindicato e as empresas parceiras têm desenvolvido, especialmente nos últimos 15 anos.Tudo começou há 30 anos, quando surgiram as primeiras comissões de fábrica. Naquela época, o ambiente social e econômico aprofundava o conflito entre trabalho e capital.A ditadura havia ampliado a distância ideológica entre sindicalistas e empresários. O País tinha taxas de inflação altíssimas, que alimentavam as pautas salariais e produziam impasses nas datas-base.O Estado - representado pelo Ministério do Trabalho e pela Justiça do Trabalho - era o ator principal na administração dos conflitos trabalhistas. Nos anos 1990, a abertura da economia, o fim da inflação e a reestruturação do sistema produtivo produziram um choque naquele modelo.No início daquela década, o conflito aberto aprofundou-se. Mas, aos poucos, os dois lados começaram a perceber que precisavam se entender para sobreviver e que a melhor maneira de administrar as suas diferenças seria a negociação direta.A ideologia não desapareceu, mas passou a ter a companhia do pragmatismo. O autoritarismo das empresas foi substituído pelo diálogo. A partir do final dos anos 1990 e ao longo da primeira década do novo século, um novo modelo de relações de trabalho emergiu no ABC paulista.A nova relação permitiu que os dois lados pudessem enfrentar diversos momentos difíceis sem rupturas e tem produzido saídas originais e criativas. Os resultados poderiam ser até mais expressivos, não fosse a restrição imposta pela legislação trabalhista.Em diversas ocasiões, quando trabalhadores e empresas avançaram para além da lei, foram "censurados" pela fiscalização dos Ministérios do Trabalho e da Previdência Social. Algumas empresas foram notificadas e multadas e se viram obrigadas a recuar.O pior de tudo é que cada inovação acaba produzindo passivos trabalhistas, porque muitos trabalhadores, quando são desligados, vão à Justiça do Trabalho reclamar os seus direitos, que, embora previstos em lei, haviam sido reformatados pela negociação coletiva.O estágio avançado e maduro das relações de trabalho no ABC mostra que existe uma opção ao modelo atual e que para assegurá-la o País precisa encontrar uma nova base legal para a negociação coletiva.Os dois últimos presidentes tentaram reformar a legislação, mas não foram muito longe. Fernando Henrique Cardoso introduziu a possibilidade de alterar alguns direitos individuais por meio da negociação coletiva. Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu as centrais como entidades sindicais e concedeu-lhes o direito de participar da receita da Contribuição Sindical. Ambas as estratégias foram incoerentes.Fernando Henrique ampliou o espaço da negociação sem assegurar o seu pressuposto, a representação. Lula, por sua vez, ampliou a representação para cima, sem considerar a má qualidade da representação na base. Nenhum dos dois cogitou de melhorar e ampliar a representação.O modelo do ABC começa exatamente no ponto em que nenhum dos presidentes tocou: a legitimação da representação no local de trabalho.As empresas reconheceram o direito de os empregados terem sua representação e o sindicato reconheceu a legitimidade do objetivo econômico dessas empresas.A partir daí, os dois lados construíram a relação madura de hoje. Para continuar avançando precisam de segurança jurídica e este é o objetivo da proposta.A nova lei oferecerá às empresas e aos trabalhadores do ABC paulista o respaldo para ajustar a legislação trabalhista às suas necessidades.É possível replicar o modelo no Brasil inteiro? Claro que não, e nem é esse o objetivo dessa proposta.Os metalúrgicos do ABC paulista sabem que para a grande maioria dos trabalhadores brasileiros a fonte principal e quase única de direitos tem sido a legislação, pois os sindicatos são pouco representativos.Já para a grande maioria das empresas brasileiras, o diálogo com os trabalhadores ainda é feito por meio do sindicato patronal. Mas já existem muitos casos de diálogo direto entre empresas e trabalhadores.A nova lei oferecerá segurança jurídica para que essas empresas e esses trabalhadores avancem. É uma estratégia inteligente, pois não ameaça ninguém. Introduz a reforma trabalhista por adesão, apenas para quem a quiser. Empresas e trabalhadores que não se sentirem seguros com a ideia não precisarão adotá-la.Os que aderirem terão autonomia para negociar as condições de trabalho. Mais do que trocar o legislado pelo negociado, substituirão a legislação pela representação.PROFESSOR DA FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FEA-USP), É PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE RELAÇÕES DE EMPREGO E TRABALHO (IBRET)