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Opinião|Renovação na política envelhecida?

Atualização:

De Sarney a Lula, de Renan e Jucá a Sérgio Machado, as conversas telefônicas que travaram a respeito da Operação Lava Jato têm como denominador comum uma percepção rudimentar do direito e da democracia. Na melhor tradição da cultura do jeitinho, Lula pediu ao ministro da Fazenda que aliviasse autuações fiscais em seu instituto. Sarney enumerou a Machado ministros de tribunais superiores por ele nomeados que poderiam viabilizar acesso informal ao relator do petrolão no Supremo Tribunal Federal (STF). Toscos, porém espertos, Renan e Jucá afirmaram que, se procuradores e juízes federais são implacáveis na aplicação das leis, basta revogá-las por meio de um “grande acordo”, com o objetivo de lhes subtrair os instrumentos de que precisam para condenar corruptos. Simples assim. Cínico assim.

Este cenário de acordos escusos e relações promíscuas entre líderes partidários e dirigentes do Executivo e do Legislativo só reforça, na sociedade, o desejo de renovação política e mudança no sistema representativo. Expressa pelos movimentos sociais que têm saído às ruas, a ideia é de que o novo é melhor do que o velho; de que os jovens são mais puros – e, portanto, mais legítimos – do que os adultos; e de que as lideranças emergentes podem compensar falta de experiência com apoio popular. A pureza possibilitaria uma catarse política, certo? Não creio, por achar que o novo e a aura de pureza nele implícita parecem superestimados. Quando se veem jovens líderes de movimentos sociais desprezarem os obstáculos estruturais que travam o crescimento da economia, afirmando que basta taxar o “andar de cima” para custear direitos sociais e relegando para segundo plano direitos imoralmente adquiridos por corporações que não levam em conta os efeitos de suas conquistas sobre o conjunto da sociedade, não há como acreditar na virtude do novo sobre o velho. O mesmo se vê quando, em nome do ajuste fiscal, jovens economistas pró-mercado propõem a substituição de direitos universais por estratégias de focalização sem levar em conta a lógica do jogo político, demonstrando inabilidade e alienação.

Na época da ditadura, respeitáveis congressistas forjados nos idos dos anos 50 recomendavam prudência a jovens oposicionistas, explicando-lhes que a radicalização do discurso levaria à radicalização do regime militar, dificultando acordos para a restauração do habeas corpus – o primeiro passo de um intricado processo de retorno à democracia. Vários jovens deputados tiveram promissoras carreiras políticas travadas pela impetuosidade retórica, que rendia manchetes, mas se esvaía como fumaça no dia seguinte. No final dos anos 80, Collor apresentou-se como jovem e moralista. Terminou como figura abjeta da vida política.

A lição é clara. Nem os velhos são necessariamente conservadores e retrógrados. Nem os jovens sempre são progressistas e inovadores. Certas contribuições vanguardistas podem reeditar velhas tragédias. Não há novidade que não se possa anquilosar, diz um professor da London School of Economics. Jovens e renovadores podem cometer erros primários, e com obstinação, pois imaginam estar a salvo deles. Como o tempo é cruel com quem se apresenta apenas como novo, é necessária uma gama diferenciada de valores, já que os eleitores tendem a valorizar não só novidade, mas experiência e confiança. O anquilosamento assusta, a incompetência dá medo, lembra este professor. Entre um senador lindinho e os Renans da vida, deve haver alternativas mais competentes e moralmente responsáveis. Como permitir que aflorem? Entre medidas de austeridade que afetam direitos e propostas de taxar o “andar de cima”, conjugadas com a crença de que o Estado burguês explora o povo, certamente existem ideias mais refinadas sobre os problemas estruturais do gasto público, que podem viabilizar uma governabilidade consequente, em matéria de crescimento e inclusão. É preciso cautela antes de mandar para a tumba o que parece velho ou canonizar uma novidade que logo pode se converter em equívoco.

Pelo atual cenário, Dilma Rousseff não tem condição de voltar ao Planalto; Temer se revela um presidente medíocre; os efeitos da Lava Jato serão devastadores para a cleptocracia parlamentar que o sustenta, o que pode levar à antecipação das eleições; e, por mais que isso o favoreça, Lula já não é tão competitivo, dada a imagem corroída por relacionamentos promíscuos com empreiteiras e a escumalha da classe política. Este é ponto. Antecipar as eleições, como alternativa para a crise, é gerar outra logo à frente, uma vez que ela abre espaço para aventureiros ao mesmo tempo que impede a renovação de lideranças, trava diálogos responsáveis entre o velho e o novo e dificulta o processo de aprendizagem que permita ao eleitorado discernir entre motivação e entendimento, expectativas e realizações, oportunidade e oportunismo.

Defender a manutenção do cronograma eleitoral não é uma pretensão fundada numa crença idealista nas regras do jogo. É apenas um juízo realista. Numa era de redes, redistribuição da autoridade política, declínio de partidos e ascensão de movimentos sociais, refletindo a crescente diferenciação da sociedade, é preciso que uma eleição presidencial seja precedida de debates em que os adversários apresentem propostas, em vez de se desqualificarem com a assessoria de marqueteiros venais. Os próximos dois anos serão difíceis, mas fundamentais para o clareamento de ideias e para que se saiba o quanto há de inovador no velho e de antigo no novo. Por trazerem à tona tensões e contradições ofuscadas por opacas tranquibérnias e negociações de cúpula, as crises podem ser vistas não pelos seus aspectos negativos, mas por seu potencial criador – e os debates políticos a serem travados até 2018 têm tudo para gerar alternativas de governabilidade fundadas em valores que exprimam a dinâmica da sociedade.

*José Eduardo Faria é professor titular da Faculdade de Direito da USP e professor da Fundação Getúlio Vargas (GVLAW)

Opinião por José Eduardo Faria