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Representação de fachada

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Por Gaudêncio Torquato
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O que é, o que é: quanto mais cresce, menos poderoso fica? Resposta: a representação do patronato brasileiro. Os dados não deixam dúvidas: apenas 20% das 500 mil indústrias do País fazem parte de entidades classistas, mas o número de sindicatos - 4 mil - é um recorde, conforme matéria da Folha de S.Paulo (18/5). Quem passa por um dos símbolos de São Paulo, a Avenida Paulista, avista um ícone da arquitetura brasileira, que ganhou a forma de pirâmide, segundo seu projetista, Roberto Cerqueira César, para transmitir harmonia de proporções e sensação de grandiosidade. Pinçamos esses dois conceitos que inspiraram, em 1969, a concepção do prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para definir a representatividade dos empresários: uma gigantesca fachada emoldurada por formas retangulares. A grandiosidade da fachada, aqui, conota algo que se mantém apenas na aparência. Sindicatos sem bases nem ideário mais parecem fios de uma teia esgarçada, enquanto os quadriláteros se assemelham a buracos de um sistema que sobrevive à custa de uma contribuição que confisca parcela do capital social das empresas. O sindicalismo patronal no Brasil passa por grave crise. Padece de atrofia. Distanciado das bases produtivas, não foca a matéria-prima que poderia ser fator preponderante de sua eficácia: sólidos serviços para as empresas. Sem o cimento para sedimentar as bases, o alicerce da estrutura corporativista se fragiliza, abalando federações e confederações. O arcabouço torna-se mais capenga quando se observa que a maior federação de indústrias do País tem sindicato com apenas dois sócios. Mas o voto deste vale o mesmo que o voto de entidades com 300 sócios. Essa distorção se espalha por toda parte. Sindicatos de papel se multiplicam. O olho gordo volta-se para a paga mensal, que oscila entre 0,02% e 0,8% do capital social das empresas. Em 2008 essa roda da fortuna abocanhou R$ 363 milhões. O definhamento da representatividade empresarial é mais visível na área industrial, porquanto setores como o de serviços e o do agronegócio se apresentam com mais vigor e capacidade de mobilização. A fraqueza das entidades deve-se à incapacidade de obter sucesso político para seus pleitos. E por que isso ocorre? Porque não acompanharam a locomotiva do tempo. Muitas se refestelam no banquete sindicalista organizado na década de 1930 pela era Vargas. Alimentam-se da unicidade sindical e da contribuição compulsória. Por essa formatação arcaica ascendeu ao topo de grandes segmentos industriais uma casta de oportunistas, pelegos e profissionais ambiciosos. Figuras exponenciais do mundo produtivo, por desinteresse ou desencanto com a política, deram adeus ao palanque da representação. Os processos eleitorais, por sua vez, distorceram a democracia sindical. A régua da igualdade botou do mesmo lado um sindicato gigante e um sindicato mirim. O campo passou a ser minado por especialistas em emboscada. Líderes forçados, sem grandeza, com frágil capacidade de articulação. E, assim, a pálida identidade de dirigentes contribuiu para esboroar a malha sindical. O resultado é a fragmentação corporativista e a consequente dispersão de esforços. A ausência de uma representação plural, multissetorial, capaz de integrar as áreas é sentida em todos os espaços. A representatividade do patronato esbarrou, nas últimas décadas, em outros paredões. Na ditadura militar, ficou a ver navios. Depois, à procura de um eixo, passou a tatear ao sabor dos fluxos e refluxos que calibraram o papel do Estado na condução da economia. No ciclo da experimentação monetária do governo Sarney, teve pífia atuação. Por ocasião da abertura econômica, no governo Collor, correu com sede ao pote, usando as câmaras setoriais, que pareciam inaugurar nova modalidade de defesa corporativa. A inflexão liberal determinou a expansão da concorrência no mercado interno, em razão da importação escancarada e da abertura para o exterior. Os interesses e visões eram muito diferentes. Arrumações nas frentes corporativas apareceram - fóruns de competitividade, Instituto Liberal, Pensamento Nacional das Bases Empresariais, Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial -, a demonstrar novas percepções sobre o conflito da relação capital-trabalho, que saiu das ruas para chegar às mesas de negociação. No governo FHC, a representação empresarial passou por intenso processo de organização, com ênfase na atuação da Confederação Nacional da Indústria na batalha para a redução do custo Brasil. Entraram em cena figuras proeminentes, como Jorge Gerdau à frente da Ação Empresarial. O foco deslocou-se do Executivo para o Parlamento, na perspectiva de um escopo legislativo voltado para a agenda industrial. O empresariado ressentia-se da ausência de políticas industriais consistentes e de reformas estruturais. Nesse momento, a palavra de alguns nomes de peso ecoou mais alto do que a voz das entidades. A estratégia, agora, era envolver o corpo parlamentar, seja por meio de uma articulação estreita com partidos e líderes, seja pelo esforço para eleger representantes de setores produtivos para as Casas congressuais. Na era Lula, as entidades esmaeceram, mais ainda, a capacidade de mobilização, dando condições para o presidente abrir um grande salão de recepção para o universo produtivo. Lideranças de setores empresariais e laborais passaram a frequentar o Conselhão de Lula - o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social -, uma espécie de confessionário catártico, fórum de liberação de queixumes e promessas. Hoje, no cenário global, onde não há mais centro e periferia, as empresas querem figurar como atores de primeira grandeza. "Crescem rapidamente e estão numa disputa acirrada com todos, de toda parte, por tudo", conforme lembra Roger Agnelli, presidente da Vale. As entidades patronais, porém, parecem ter os olhos fixos no passado. Empresários de vulto têm linha direta com o poder, deixando para elas miudezas, falação e pompa sob uma gigantesca fachada de representatividade. Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, é consultor político e de comunicação