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Repúdio à censura

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Por Redação
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Ao cobrar celeridade do Judiciário para que decida sobre a censura prévia imposta a este jornal - proibindo a publicação de quaisquer matérias relacionadas a Fernando Sarney, filho do presidente do Senado e sob investigação da Polícia Federal, na Operação Boi Barrica -, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, salientou: "É preciso que esse assunto não fique na avaliação de um único juiz, que o tribunal se pronuncie, dando ensejo a que o tema tenha o curso normal. Se for o caso, que vá para as instâncias superiores." Note-se que esse "único juiz", agravando os malefícios do subjetivismo da decisão monocrática, deixou de declarar-se impedido de julgar o feito, apesar de suas íntimas e notórias relações de amizade com a família de José Sarney. Certamente, com suas observações o presidente do Supremo entendeu que um dos valores mais elevados da cidadania e do Estado Democrático de Direito - ou seja, a plena liberdade de imprensa, garantida que é pela Constituição - não pode ficar à mercê de decisões puramente individuais, derivadas da subjetividade ou das afinidades pessoais de um ou outro magistrado. Pode-se dizer que corre no mesmo sentido o entendimento e a mobilização de uma entidade como a Associação Nacional de Jornais (ANJ), ao trazer a debate um meio de levar o Supremo Tribunal Federal a formar jurisprudência, com efeito vinculante, para impedir que juízes de primeiro grau ou de qualquer outra instância do Judiciário façam censura prévia no País. A Associação pretende solicitar a colaboração da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de outras entidades da sociedade civil, comprometidas com a preservação do Estado Democrático de Direito, com o objetivo de que se defina o melhor caminho, ou o melhor tipo de ação, para a consecução desse objetivo. É que há uma questão importante a ser considerada: é preciso preservar a liberdade de expressão em sua forma plena, seguindo os princípios consagrados e o disposto claramente no texto constitucional, mas sem interferir na autonomia judicante dos magistrados. Essa iniciativa foi apoiada por unanimidade pelos representantes dos jornais que participaram de um painel sobre liberdade de imprensa promovido terça-feira em comemoração aos 30 anos de criação da ANJ. Na ocasião, o diretor da RBS, Marcelo Rech, resumiu a questão: "A violência contra o Estadão atinge a todos nós." Mas, mesmo sendo o caso mais grave de censura prévia, o cerceamento à liberdade de expressão imposto a este jornal não é o único - e a experiência histórica indica que os cerceamentos autoritários nunca permanecem restritos ou eletivos, sempre contaminando, quando não contidos a tempo, amplos setores da sociedade. A presidente da ANJ, Judith Brito, divulgou o balanço dos últimos 12 meses, que mostra um agravamento preocupante desse tolhimento: foram 31 casos de agosto de 2008 a julho de 2009. Destes, 16 casos decorreram de sentença judicial impondo censura prévia, sendo a maior parte delas emitidas por juízes de primeiro grau. Sempre é bom lembrar que os tópicos constitucionais que proíbem qualquer forma de censura no País - a saber, os artigos 5º, IV e XIV, e 220, parágrafos 1º e 2º - são absolutamente cristalinos. Veja-se este último: "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição." Parágrafo 1º: "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social." Como é ao Supremo Tribunal Federal que cabe interpretar, em última instância, o sentido de todos os mandamentos constitucionais vigentes, a ANJ tem razão em pretender que a Alta Corte fixe, de maneira definitiva, uma jurisprudência que impeça juízos singulares ou tribunais de desrespeitar um dos preceitos constitucionais de maior valor para o Estado Democrático de Direito. E a Súmula Vinculante - oportunamente introduzida em nosso ordenamento jurídico, não faz muito tempo - tem, justamente, a finalidade de harmonizar o entendimento judicial do que manda a Constituição. No caso, a irrestrita liberdade de expressão e o enfático repúdio à censura prévia.