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Opinião|Réquiem para os combustíveis fósseis?

Atualização:

Réquiem é a música que se ouve nos funerais e é oferecida para o repouso da alma. Os chefes de Estado do G-7 (Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra, Japão, Canadá e Itália), reunidos na Alemanha na semana passada, adotaram uma resolução que corresponde na prática a um funeral programado do uso dos combustíveis fósseis até o fim deste século.

O comunicado final do encontro afirma que são necessários cortes profundos na emissão dos gases causadores do aquecimento mundial e, consequentemente, das mudanças climáticas. No fim do século as emissões seriam “próximas de zero” e, mais especificamente, reduzir-se-ão – em colaboração com todos os outros signatários da Convenção do Clima – de 40% a 70% relativamente aos níveis de 2010, até 2050. As emissões de gases causadores do efeito estufa originam-se na queima de combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás natural). Ao adotar essas reduções, o comunicado dá um significado concreto ao que se entende por desenvolvimento sustentável, que até agora tem sido um conceito vago. Agora um calendário existe para a adoção das ações necessárias para atingi-lo.

A importância da decisão do G-7 é significativa porque representa um endosso completo dos estudos científicos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, que envolve todos os países do mundo e tem sido questionado por alguns “céticos”. É desses estudos que decorre a necessidade de reduzir fortemente as emissões para impedir que a elevação da temperatura média da Terra ultrapasse em 2 graus centígrados a temperatura média atual.

Além disso, o comunicado enfatiza a importância de se promover a adoção de energias renováveis – eólica, de biomassa e solar –, bem como a eliminação de subsídios para os combustíveis fósseis. Não deixa de ser um pouco surpreendente que os países do G-7 tenham tomado agora uma posição tão firme quanto à redução das emissões. Outras tentativas de adotar resoluções do mesmo tipo foram feitas em reuniões anteriores e todas elas fracassaram.

É óbvio, portanto, que a resolução do G-7 não caiu do espaço, mas resultou da evolução que está ocorrendo silenciosamente em muitos países onde as evidências dos problemas causados pelas emissões estão se tornando claras. Os avanços científicos, por sua vez, estão dando robustez à realidade do “efeito estufa”. Alguns exemplos dessa evolução são os seguintes:

Seis grandes empresas europeias produtoras de gás e petróleo, entre as quais a francesa Total, propuseram a adoção de uma taxa sobre as emissões de carbono, o que favorece a “descarbonização” do sistema produtivo, com uma redução do consumo de carvão, que já está ocorrendo na Europa e na China. Muitas outras empresas já incluem um preço para o carbono emitido ao tomarem decisões sobre seus futuros investimentos, porque consideram evidente que isso vai acontecer, mais cedo ou mais tarde, e querem antecipar-se às decisões que serão adotadas pelos governos.

O custo das energias renováveis tem caído dramaticamente e elas representam uma fração crescente do consumo total de energia.

Muitas grandes empresas – como a Unilever (anglo-holandesa), L’Oréal (francesa), Ikea (suíça), Enel (italiana) – estão reduzindo as suas emissões por motivos variados, um dos quais é a reputação da companhia como uma empresa “verde”. Essa reputação valoriza as suas ações nas bolsas de valores internacionais.

O fundo soberano da Noruega, com cerca de US$ 1 trilhão, está se afastando de investimentos em combustíveis fósseis no mundo todo.

Todos esses fatores estão aumentando a possibilidade de que a Conferência de Paris, no fim deste ano – cujo objetivo é adotar novos compromissos mundiais para a redução das emissões de gases-estufa –, tenha sucesso, completando, assim, o trabalho da Conferência do Rio, em 1992 que adotou a Convenção do Clima.

Há, porém, uma condição que é essencial para que isso aconteça: que os países em desenvolvimento, além do G-7, adotem medidas sérias a respeito da redução de suas emissões de gases de efeito estufa. Sem a participação dessas nações a meta de limitar o aumento da temperatura da Terra em 2 graus centígrados até o fim do século não vai ser alcançada. Os países do G-7, que estão agora seriamente engajados na redução das emissões, representam apenas 24% do total emitido.

Dos 76% restantes, 65% se originam nos países em desenvolvimento, entre eles a China, que representa quase um terço do total. Além disso, alguns países industrializados que não fazem parte dos G-7 são grandes emissores e emitem 13% do total global, entre eles a Rússia.

Para atingir as metas almejadas pelos países do G-7 seria preciso que todos se engajassem seriamente, adotando energias renováveis e métodos mais eficientes de produzir e utilizar energia.

A China já se adiantou nesse processo ao assumir o compromisso de deixar de aumentar suas emissões em 2030 e reduzi-las daí para a frente.

Há, pois, uma grande oportunidade para a diplomacia brasileira de reconquistar o papel de liderança que o Brasil teve em 1992: a de convocar uma conferencia dos países em desenvolvimento para propor as medidas adequadas a eles. O Brasil é um dos países com menor participação de combustíveis fósseis na sua matriz energética e tem muito a mostrar na área de energias renováveis. Seria um magnífico contraponto ao que os países do G-7 fizeram e mostraria ao mundo que as nações em desenvolvimento estão dispostas a participar do esforço global de redução das emissões – já que o aquecimento global afeta a todos – e a fazer sua parte, não apenas ficar no papel passivo de pleitear recursos internacionais para fazê-lo.

José Goldemberg é professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), foi secretário de meio ambiente da Presidência da República por ocasião da adoção da convenção do clima, em 1992

Opinião por José Goldemberg