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Respeito ao Legislativo

Ao rejeitar recurso sobre o reconhecimento oficial do ensino domiciliar, o STF respeitou competências do Legislativo

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Por Redação
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Ao rejeitar um recurso sobre o reconhecimento oficial do ensino domiciliar – o chamado homeschooling –, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma decisão, cada vez mais rara nos dias de hoje, de respeito às competências do Legislativo. A Suprema Corte reconheceu, por maioria de votos, que cabe ao Congresso regulamentar essa matéria. Enquanto não houver legislação específica sobre tal modalidade de ensino, o Poder Judiciário não deve interferir nessa seara, que é do Legislativo. A decisão tem repercussão geral.

O caso julgado pelo Supremo refere-se a um mandado de segurança impetrado contra ato da secretária de Educação do município de Canela (RS). Os pais desejavam educar a filha, então com 11 anos, apenas em casa, sem levá-la à escola, mas tiveram negada a autorização para esse ensino domiciliar. A secretária municipal de Educação orientou a família a matricular a criança na rede regular de ensino. Inconformados, os pais ajuizaram uma ação pleiteando que lhes fosse reconhecido o direito de educar em casa a sua filha. O relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, votou pelo provimento do recurso, em favor do reconhecimento do homeschooling. Além de considerar que era constitucional a prática do ensino domiciliar a crianças e adolescentes, o ministro Barroso entendeu que o Supremo poderia regulamentar a matéria, a partir do texto constitucional.

Os ministros Luiz Fux e Ricardo Lewandowski votaram pela rejeição do recurso, sob o fundamento de que a Constituição proíbe esse tipo de ensino.

A posição que acabou por prevalecer no plenário do Supremo foi dada pelo voto do ministro Alexandre de Moraes, que rejeitou o recurso dos pais, mas não por considerar o homeschooling inconstitucional. Segundo o ministro Alexandre de Moraes, a Constituição de 1988 não proíbe o ensino domiciliar, estabelecendo a solidariedade do Estado e da família no dever de cuidar da educação das crianças. “Só Estados totalitários afastam a família da educação de seus filhos”, disse o ministro.

No entanto, a educação dada às crianças e aos adolescentes deve cumprir algumas normas mínimas. É necessário, por exemplo, ter regras para o cadastramento dos alunos, as avaliações pedagógicas e de socialização, o controle de frequência, “até para que se evite uma piora no quadro de evasão escolar disfarçada sob o manto do ensino domiciliar”, lembrou o ministro Alexandre de Moraes. Como ainda não há essa normativa, não se pode dizer que exista um direito dos pais ao homeschooling. O entendimento majoritário foi de que o ensino domiciliar é possível, mas antes o Congresso precisa regulamentá-lo.

A decisão tem importantes consequências. Ao reconhecer que a Constituição de 1988 não dá encaminhamento específico ao ensino domiciliar, a maioria do STF ateve-se ao texto constitucional. Nos últimos tempos, é frequente ver prevalecer no Supremo interpretações que guardam pouca conexão com o conteúdo da Constituição. Às vezes, são criações interpretativas que negam frontalmente o sentido do texto.

Além de proteger o texto constitucional, a decisão do STF respeita o Congresso. Há quem defenda que, por meio de interpretação “razoável” da Constituição, o Judiciário poderia em alguns casos substituir o Congresso. Seria um modo mais ágil de atender às demandas sociais, apregoam essas vozes pouco republicanas.

Deixar que 11 ministros legislem pode ser de fato mais rápido. Ainda que, às vezes, eles também levem anos para decidir. Há, no entanto, um empecilho: o STF não tem poder para legislar. No Estado Democrático de Direito, essa tarefa cabe aos representantes do povo, eleitos pelo voto. Eventuais disfuncionalidades do Congresso não se resolvem com o ativismo do Judiciário, que conduz ao agravamento dos desequilíbrios institucionais. A solução é respeitar a Constituição e suas competências. Pode homeschooling, mas antes o Congresso precisa aprová-lo, fixando regras mínimas de funcionamento.