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Resposta à irresponsabilidade

O Tesouro não reconhecerá as operações de renegociação das dívidas de produtores rurais até que o Congresso aprove dotações orçamentárias para a cobertura dos custos nelas implícitos

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Por Redação
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Por não haver, no Orçamento de 2018, previsão de recursos para a cobertura dos custos da renegociação de dívidas de produtores rurais com bancos públicos aprovada pelo Congresso, com desconto de até 95% do saldo devedor, o governo proibiu todas as instituições financeiras federais de realizar esse tipo de operação. Desse modo, para evitar o impacto financeiro altamente pernicioso de uma decisão do Congresso, o Executivo recorre a medidas administrativas. Procura, assim, evitar gastos adicionais – que podem chegar a R$ 17 bilhões, se todos os potenciais beneficiários utilizarem as facilidades criadas pelos congressistas – que não apenas comprometem seriamente seu programa de ajuste fiscal, como podem implicar descumprimento de restrições legais ao aumento de despesas.

A informação foi apurada pelo Estadão/Broadcast. Questionado sobre a medida, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, reconheceu que “não temos previsão no Orçamento para a renegociação dessas dívidas”. Segundo o texto enviado às direções dos bancos federais, o Tesouro não reconhecerá as operações de renegociação das dívidas de produtores rurais até que o Congresso aprove dotações orçamentárias para a cobertura dos custos nelas implícitos.

A decisão de impedir os bancos federais de conceder tais benefícios é correta do ponto de vista fiscal. Nada justifica o risco do aumento de gastos na proporção estimada pelo governo, num momento em que a evolução da dívida pública se transformou numa das principais fontes de incertezas a respeito da estabilidade econômica. Além disso, a concessão de benefícios financeiros como os aprovados pelo Congresso representa um prêmio à inadimplência e estimula outros devedores a deixar de honrar seus compromissos na expectativa de que mais adiante poderão ter alguma vantagem.

Embora tão clara do ponto de vista fiscal e ético, a questão está longe de ser tão pacífica do ponto de vista político. A esperta introdução do perdão da dívida de produtores rurais com bancos federais num projeto de refinanciamento de débitos tributários durante sua tramitação no Congresso representou uma derrota para o Palácio do Planalto. A medida é resultado de uma emenda que modificou a Lei n.º 13.340, de 2016, que autorizava a concessão de descontos para a liquidação de dívidas de produtores rurais com bancos federais, bem como de débitos inscritos na Dívida Ativa da União. O prazo para a liquidação dessas dívidas, que originalmente terminava em 29 de dezembro de 2017, foi estendido para 27 de dezembro de 2018.

O desconto aprovado pode chegar a 95% de dívidas de até R$ 35 mil. Para dívidas superiores a R$ 1 milhão, o desconto permitido é de R$ 76.750. Entre as operações que resultarão em grandes benefícios para os produtores rurais estão as contratadas até 2011 com o Banco do Nordeste ou com o Banco da Amazônia com recursos dos Fundos Constitucionais destinados às duas regiões e os saldos devedores de operações contratadas até dezembro de 2015 pelo Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (Procera).

Esses descontos, bem como a instituição do Programa de Regularização Tributária Rural (PRR), que ficou conhecido como o Refis do Funrural, foram aprovados pelo Congresso em dezembro do ano passado. Boa parte dos benefícios considerados excessivos foi vetada pelo presidente Michel Temer. Mas, em abril deste ano, o Congresso derrubou todos os vetos por uma votação surpreendente. Na Câmara, foram 306 votos a 2 e no Senado, 50 a 1 pela rejeição do veto. O resultado foi em boa parte atribuído à decisão do presidente da sessão do Congresso, senador Eunício Oliveira (MDB-CE), de votar todos os vetos em conjunto, e não separadamente. Foi a maior derrota do governo no Congresso neste ano.

O Ministério da Fazenda invoca a Constituição, que só permite a realização de despesa para a qual haja previsão orçamentária, para não cumprir o que foi decidido pelo Congresso e que resultou na Lei n.º 13.606/2018.