Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Sangrento sinal de vida

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Por Redação
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Ações terroristas como os atentados suicidas no metrô de Moscou, que deixaram pelo menos 39 mortos e 64 feridos na manhã de segunda-feira, podem ser muitas coisas ao mesmo tempo ? expressão de ódio e vingança, tentativa de intimidar uma população inimiga e humilhar o seu governo, forma de chamar a atenção para uma situação tida como intolerável. No caso, foi também um sangrento sinal de vida. Com a matança e a destruição, os terroristas ? rebeldes separatistas do Norte do Cáucaso, a região meridional da Rússia de maioria muçulmana formada pela Inguchétia, Chechênia e Daguestão ? fizeram saber que anos de brutal repressão não erradicaram o seu movimento nem os impediram de cometer um ultraje em plena capital russa.Para que não houvesse dúvida sobre a mensagem, uma das duas estações onde as mulheres-bomba se explodiram, no segundo atentado do gênero em 6 anos, é a da Lubyanka (nome do infame centro de detenção e extermínio do regime stalinista), ao lado da sede do Serviço Federal de Segurança (FSB), em que a KGB foi transformada quando a URSS desmoronou. O ex-presidente e atual primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, pertenceu aos quadros da KGB e dirigiu o FSB no final dos anos 1990. Ele construiu a sua popularidade ao comandar a segunda invasão pós-soviética da Chechênia, depois de uma série de ataques a bomba em prédios moscovitas. O proclamado aniquilamento da guerrilha chechena foi desmentido em várias ocasiões. Em outubro de 2002, ativistas fizeram cerca de 700 reféns em um teatro de Moscou. O local foi invadido pelas tropas russas. Morreram 129 civis e 41 guerrilheiros. Ainda pior foi a tragédia numa escola em Beslan, Ossétia do Norte, invadida por terroristas, depois de uma operação similar de resgate em setembro de 2004. Morreram 331 reféns, metade crianças. Seguiram-se 5 anos de calma relativa, enquanto a Chechênia era controlada por um governo-títere, que nada fez para combater a miséria, o banditismo e a corrupção na província. Perto da Chechênia, a Rússia é uma Noruega em matéria de justiça social, segurança e honestidade.Em novembro passado, uma bomba descarrilou o trem noturno que faz o trajeto Moscou-São Petersburgo. Morreram 26 passageiros e 100 ficaram feridos. Agora, em fevereiro, o checheno Doku Umarov, líder da facção autodenominada Emirado do Cáucaso, avisou que "o sangue não se limitará mais às nossas cidades. Vamos levar a guerra (às ruas, casas e cidades russas)". Paradoxalmente, as ações de Moscou podem facilitar isso. As forças russas vêm expulsando a insurgência da Chechênia para outras áreas. "Os rebeldes, cada vez mais multiétnicos, se espalham por meio de redes clandestinas de jihadistas", diz a estudiosa russa Galina Yemelianova.Para ela ? e disso poucos duvidam ?, a estratégia da Rússia é "completamente contraproducente". Ainda assim, sob o impacto dos novos atentados, os moscovitas querem mais do mesmo. "Os chechenos nunca nos deixarão viver em paz. Eles nos odeiam e sempre nos odiarão", desabafava uma aposentada na entrada da estação Lubyanka, depois da explosão. Outro aposentado lembrava que "nos tempos soviéticos" não havia atentados suicidas. "Stalin dava um jeito neles", evocou. Foi sob Stalin, aliás, que o ódio aos russos disparou. Em represália por chechenos terem colaborado com os alemães na 2.ª Grande Guerra, o ditador deportou a população inteira para a Ásia Central e a Sibéria, de onde só voltou em 1956.Novamente, a mão pesada de Moscou se abaterá sobre os civis chechenos. Os atentados de anteontem, tidos como uma afronta direta a Putin, que se gabava de ter aplastado os "inimigos da Rússia" com a sua "política de pacificação" do Cáucaso, terão o troco que o primeiro-ministro promete dar. Medvedev é considerado muito condescendente com os chechenos. Ele já falou em favor da liberalização do governo provincial, pluralismo político e combate às raízes socioeconômicas do terrorismo. Não é o que a maioria dos russos quer ouvir.