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São Paulo e Nova York

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Por Redação
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As críticas à implantação de 400 km de ciclovias na capital paulista nada têm a ver, como sugere a atual administração municipal, com a suposta má vontade dos paulistanos que utilizam carros para seus deslocamentos e se sentiriam por elas incomodados. As restrições que vêm sendo feitas a esse projeto não dizem respeito à utilidade e à conveniência dessas vias - lá onde a demanda recomenda e a topografia da cidade permite -, mas à forma improvisada com que ele está sendo executado, com as vistas voltadas mais para seu retorno político imediato do que para os reais benefícios que pode trazer para a cidade.O contraste gritante, nesse terreno, entre São Paulo e Nova York, apontada pelo prefeito Fernando Haddad como um dos modelos que o inspiraram, fica evidente em entrevista publicada pelo jornal Folha de S.Paulo com Janette Sadik-Khan, responsável, como secretária de Transportes daquela cidade, pela implantação lá de 587 km de ciclovias. Lá a iniciativa é um êxito notável, não só porque a cidade tem topografia favorável, mas também por causa dos cuidados com que as autoridades locais cercaram - como é natural quando se age com responsabilidade - uma intervenção dessa importância e amplitude no sistema viário.A primeira diferença a ser assinalada refere-se ao tempo de implantação das ciclovias. Lá isso ocorreu ao longo de sete anos, entre 2007 e fim de 2013, com uma média de 83 km por ano. Aqui, Haddad quer construir 400 km - sem planejamento e estudos técnicos, e essa é a segunda, mas não menos importante, diferença - em menos de três anos. Lá se gastou muito mais tempo só ouvindo e consultando as pessoas afetadas de alguma forma pelas ciclovias. Segundo Sadik-Khan, foram feitos, em média, 2 mil encontros por ano para colher a opinião dos moradores a respeito desse e de outros projetos ligados ao trânsito."Organizamos reuniões nas casas das pessoas ou mesmo nas calçadas. Fomos de porta em porta para falar sobre projetos como as novas ciclovias. Empenhamo-nos em dialogar com comerciantes, moradores e outras partes interessadas. O objetivo era entender a preocupação de cada um. Se o problema era estacionamento, procurávamos alternativas para vagas. Para os caminhões de entrega, pensamos em horários alternativos de embarque e desembarque. Foi um longo caminho para encontrar as soluções adequadas para cada caso", diz ela.Nada disso foi feito aqui. Para essa parte do projeto de Nova York, Haddad fechou os olhos, apesar de ele e seu partido insistirem - como algo que os distingue positivamente dos outros - que agem sempre ouvindo o povo e em consonância com ele. E o secretário municipal dos Transportes, Jilmar Tatto, apesar das críticas cada vez mais frequentes de pessoas afetadas pelas ciclovias, em declarações à mesma Folha de S.Paulo, ainda tem o desplante de negar que haja falta de diálogo com a população. Mas acrescenta, contradizendo-se, que não é possível consultá-la a propósito de cada ciclovia. Como explicar que em Nova York essa providência - de custo baixo - foi possível?Outra prova de que aqui a Prefeitura nunca levou em conta a opinião das pessoas interessadas ou afetadas pela ciclovias é, como mostrou reportagem recente do Estado, a ausência delas, até agora, nos bairros da periferia nos quais é maior o número de paulistanos que usam a bicicleta como meio de transporte para ir e voltar do trabalho e da escola.Quando a população se manifesta maciçamente favorável às ciclovias nas pesquisas de opinião, isso não significa dar um cheque em branco à Prefeitura para tocar seu projeto como vem fazendo, de forma torta e apressada. Torta, porque sem planejamento e porque, diante das críticas, reage demagogicamente com a alegação de que é preciso dar prioridade ao transporte público.É uma prioridade que ninguém em sã consciência contesta. E, no caso da Prefeitura, começa pela melhoria do serviço de ônibus, que os paulistanos continuam esperando, já que ela não se resume ao malabarismo das faixas exclusivas.