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Saúde é uma questão de todos

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Por Francisco Balestrin
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A saúde voltou a ocupar as principais manchetes do País nos últimos dias. Notícias de que o governo federal está estudando um pacote de medidas para o setor reacenderam um debate importante para toda a sociedade. Entre os temas, redução de impostos, maior financiamento para melhoria da infraestrutura hospitalar, solução da dívida das Santas Casas, além da ampliação do acesso aos planos de saúde privados, com uma eventual redução de preços. Não é de hoje que o fato de a saúde suplementar apresentar uma ampla expansão em sua estrutura e nos serviços prestados à população chama a atenção. Afinal, com crescimento de mais de 50% desde 2003, o setor  atingiu a marca de 48,6 milhões de beneficiários, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O cenário resultante desses números não tem sido, no entanto, exatamente favorável ao cidadão portador de planos de saúde. Na tentativa de cobrir possíveis lacunas deixadas pelo setor público, o que tem sido visto são inúmeros questionamentos sobre situações críticas relativas ao atendimento cada vez menos satisfatório para grande parte dos usuários desses planos. Diariamente acompanhamos os noticiários com informações sobre demora no atendimento médico, falta de leitos e lotação das urgências e emergências nos hospitais, dificuldades para marcação de consultas, cirurgias e exames complementares e, muitas vezes, simples negativas de atendimento. Toda essa problemática se agrava a partir do momento em que as medidas para evitar os transtornos são estudadas apenas depois que os problemas ocorrem. Se confirmadas as negociações, que estariam sendo conduzidas pela própria presidente da República, por ministros de Estado, integrantes da área econômica e alguns representantes das principais operadoras de planos de saúde do País, há que lamentar a ausência da sociedade e, principalmente, das instituições organizadas e representativas do setor nesse importante debate. Para um tema de tal monta e avassaladores impactos em todo o sistema não há como restringir a discussão a alguns, uma vez que o assunto afeta a todos. É imprescindível a sua institucionalização. Afinal, não é só a saúde pública que está em jogo. A sustentabilidade do setor privado, também. Enquanto o número de usuários de planos de saúde cresceu, em média, 5% ao ano desde 2007, cerca de 5% dos leitos privados em nosso país foram fechados no mesmo período (16.290 leitos). Isso significou o fechamento de 286 hospitais privados (quase 60 fechados ao ano, ou cinco ao mês, ou ainda um a cada semana!), de acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Ministério da Saúde. As razões para essa redução residem, entre outros motivos, na dificuldade de remuneração tanto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) quanto pelos planos de saúde, na má gestão, na falta de estímulo governamental e também nas dificuldades de investimentos dos hospitais, impactados pela alta carga tributária do setor, que cresceu duas vezes e meia o valor da inflação dos últimos dez anos. Atualmente, o setor de hospitais privados emprega mais de 2 milhões de pessoas, gera mais 1 milhão de postos de trabalho indiretos e atende quase 50% da população brasileira, se considerarmos que parte do atendimento do SUS é realizada em hospitais privados, sejam eles com ou sem fins lucrativos. Além de medidas focadas na organização do sistema, as autoridades sanitárias precisam estender a visão não só ao setor público, mas também ao privado - responsável por 55% do valor do produto interno bruto (PIB) gasto em saúde em nosso país. Afinal, a saúde não é publica nem privada, mas, sim, um direito do cidadão. O setor prestador de serviços, que é o que vai atender à eventual demanda criada - ou, parafraseando Garrincha, "o beque russo" com quem é preciso combinar antes -, está à disposição para contribuir num debate institucional focado na resolução dos problemas de todos os brasileiros, consumidores de saúde. Logo, é possível notar que todos os temas estão interligados: não bastará um pacote governamental de ampliação de vagas nas escolas médicas, como não será possível prever um aumento da oferta de planos de saúde a preços baixos, que atenderiam a população de menor renda, sem uma real perspectiva de como e onde esses atendimentos serão realizados. Erra quem pensa que o atendimento deficitário do sistema público seja positivo para o sistema privado. Ao contrário, esse déficit provoca o desequilíbrio na demanda por serviços de saúde em curto prazo, ocasionando falta de qualidade. Do mesmo modo, ter um plano de saúde não garante atendimento oportuno e adequado na rede de prestadores disponíveis, especialmente das grandes cidades. O atendimento à saúde de qualidade é um direito do cidadão e deve ser entendido como essencial à condição humana. Dessa forma, é preciso, mais do que nunca, um amplo debate com o objetivo de unir esforços entre o sistema público e o privado para encontrar soluções viáveis para a saúde brasileira. O Estado precisa urgentemente repensar o tratamento dispensado à saúde, planejando o seu desenvolvimento dentro das possibilidades de atendimento, e ter maior atenção sobre a regulação das operadoras de planos de saúde, questionando a comercialização de produtos pouco confiáveis e não comprometidos com o acesso à qualidade e segurança assistencial. O sistema privado de saúde também deve resgatar a sua condição existencial, preocupando-se, assim, com as questões relacionadas à gestão e às inovações tecnológicas. Voltar a ser uma opção do usuário, e não uma condição para receber os cuidados de saúde que deveriam ser ofertados pelo SUS.

* Francisco Balestrin é médico, administrador hospitalar e presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados.