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Opinião|Saúde sem cabos de guerra

Atualização:

Terceiro maior mercado privado de saúde do mundo, somente atrás dos Estados Unidos e da China, o Brasil tem pela frente os enormes desafios de aperfeiçoar e ampliar o sistema de atendimento a uma população com maior mobilidade social, crescente expectativa de vida e que vem conquistando acesso a vários bens e serviços, entre os quais os planos de saúde. Essa nova realidade - que deve ser comemorada e todos esperam que continue a ser ampliada para abranger um número cada vez maior de brasileiros - trouxe mudanças que precisam ser detidamente avaliadas para a construção de soluções que garantam a sustentabilidade do sistema brasileiro de saúde e a qualidade no atendimento à população. Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram que o número de beneficiários de planos privados de saúde superou ao final do ano passado a marca de 50 milhões. Somente em 2013 mais de 2,2 milhões de novos usuários ingressaram no sistema, o que representou um crescimento de 4,6% em apenas um ano. Esse incremento, concentrado em contratos coletivos empresariais, que respondem por 65,8% do total de vínculos de beneficiários de planos de saúde, eleva de forma significativa a potencial demanda de serviços de saúde suplementar. Estudo realizado pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) mostra que o aumento de 4,1% no número de beneficiários de planos de saúde implica a necessidade de criar mais 23,2 mil leitos, com investimentos superiores a R$ 7,3 bilhões. Além da maior quantidade de usuários, houve mudanças no perfil dos pacientes, decorrentes do envelhecimento da população e da maior incidência de doenças crônicas, com aumento da complexidade dos casos, aumento do tempo médio de permanência hospitalar e elevação da taxa de pacientes residentes, que recebem cuidados nos hospitais por mais de 90 dias. A idade média dos pacientes internados nos hospitais afiliados à Anahp passou de 37 anos, em 2008, para 43 anos, em 2013, e o tempo médio de permanência aumentou de 4,5 dias para 4,7 dias. Nas faixas etárias acima de 75 anos a permanência é superior a dez dias. A saúde privada, além da crescente demanda do mercado e das mudanças no perfil de doenças da população - que exige cuidados cada vez mais complexos -, enfrenta uma já tradicional divisão interna: de um lado, os estabelecimentos de serviços de saúde (hospitais, laboratórios, clínicas e consultórios) e, de outro, as operadoras de planos de saúde. Os estabelecimentos de saúde criticam as estratégias das operadoras - como o aumento de glosas, que são o não pagamento pelos planos de valores referentes ao serviço prestado, interferência na conta hospitalar e intromissão indevida na qualidade do atendimento aos clientes; enquanto as operadoras reclamam da deficiência da gestão dos hospitais, alegando desperdícios, custos desnecessários e preços elevados. Não há dúvida que o modelo de remuneração do setor é um dos temas mais importantes atualmente, e precisa ser revisto com urgência. A prática de remuneração com base no pagamento por serviço assemelha-se a um verdadeiro "cabo de guerra", causando desgaste e prejuízo para todos, inclusive para os pacientes. Esse modelo deve ser substituído por políticas justas de remuneração de serviços, vinculadas à qualidade e ao desempenho assistencial, especialmente num cenário de grandes mudanças, como ocorre com o sistema de saúde brasileiro. A saúde suplementar, que em 2013 movimentou R$ 100 bilhões em nosso país, chegou a tal grau de complexidade que há uma relação de dependência entre as operadoras de planos de saúde e os estabelecimentos prestadores de serviços de saúde. Sem uma rede credenciada que ofereça serviços de qualidade nenhum plano de saúde consegue atrair clientes. E atualmente não há como pensar em sustentabilidade nos hospitais sem os beneficiários dos planos. Uma relação mais harmônica entre hospitais e operadoras permite também que se vislumbre um setor mais organizado na hora de buscar soluções para adversidades comuns a ambos. Dentro desse contexto existem algumas ações que poderiam favorecer um equilíbrio mais sustentável do setor de saúde. Um dos exemplos é a necessidade de uma discussão mais focada no desfecho clínico: dentro dessa circunstância se teria uma população mais sadia, que poderia ser atendida em momentos de maior necessidade, seja na urgência ou na idade mais longeva. Tal discussão passaria necessariamente por um novo modelo de remuneração, em que teríamos pactuados os interesses dos pacientes, das fontes financiadoras e dos prestadores de serviços. Há também que considerar a alta carga tributária que incide sobre a saúde. Impostos municipais, estaduais e federais chegam a responder por um terço do valor pago por um serviço médico. O atual cenário impede que se tenham preços mais acessíveis, o que se reflete também nos valores de mensalidades dos planos. Não é possível que o impacto dos impostos nos insumos de saúde no Brasil seja maior do que nas principais potências, como Estados Unidos e países europeus, e mais elevado até mesmo em comparação com países emergentes como México e Chile. A desoneração tributária traria fôlego para o setor, contribuindo até para a redução de conflitos entre hospitais e operadoras, na questão da remuneração. Precisamos dar prioridade ao custo-efetividade do sistema e o grande desafio nessa discussão será fazer tal mudança mantendo o equilíbrio entre as partes envolvidas. A falta de união entre estabelecimentos de saúde e operadoras reduz as chances de o setor conseguir reivindicar direitos e alcançar conquistas que contribuam para a redução de custos e o aumento de investimentos. Sem o entendimento entre todas as partes estabelecimentos fecharão as portas e planos de saúde vão deixar de existir. Somente por meio do diálogo manteremos a sustentabilidade do setor e atenderemos às expectativas da população. *Francisco Balestrin é presidente da ANHP 

Opinião por Francisco Balestrin