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Opinião|Segurança e sistema prisional 

Presídios em ilhas marítimas ajudariam a superar boa parte dos problemas da área

Atualização:

Adequado, de início, ressaltar a distinção entre cenário social adverso em periferias de capitais e grandes cidades, propício a originar condutas delitivas, a ser medicado em suas causas, e ações criminosas e violentas já em curso, a débito de meliantes sem nenhuma perspectiva de recuperação, especialmente quando integram organizações criminosas consolidadas. Essas são duas situações bem diversas, a merecerem tratamentos também absolutamente diferenciados.

A higidez do meio social depende de retomada vigorosa do desenvolvimento, com elevação de empregos e renda, soluções de médio e longo prazos, envolvendo escolha de caminhos eficientes para maior desempenho global e/ou setorial da economia. Sabe-se também que há espaço para definição de macroplano social para o País, que ultrapasse os limites quadrienais de governos, associado ao exercício de política demográfica que já exercitamos no passado para povoar a imensidão territorial vazia, agora novamente necessária, mas para busca do aprimoramento social, lastreada em paternidade responsável, caminho seguro para a prevalência de referências e valores morais afastados de esgares ideológicos e pruridos do politicamente correto.

Enquanto isso, tendo em vista a ocorrência diária e contínua de crimes de sangue, deve o poder público acelerar a identificação e segregação dos transgressores, retirá-los de circulação, isolá-los. E tendo como razão principal para isso não só o mal já causado, mas a prevenção pelo mal maior que ainda poderão causar.

Nesse sentido, muitas esperanças se depositam nas ações federais de segurança pública em implementação no Rio de Janeiro sob coordenação do Exército Nacional e integrando as Polícias Militar e Civil, cujos resultados poderão definir alternativas também para outros Estados e regiões.

Não obstante, é certo que o incremento da criminalidade guarda estreita relação com o sistema prisional atual, quando se constata que 80% dos crimes mais agressivos praticados contra a pessoa e o patrimônio são de autoria de reincidentes, em geral fora de presídios e penitenciárias por fuga, resgate ou liberdade eventual convertida em fuga. Estando sentenciados, os Poderes Legislativo e Judiciário terão cumprido o que lhes cabia fazer, aprovando leis e prolatando sentenças. O elo fraco, portanto, reside no sistema prisional vigente, que não consegue reter parcela significativa de criminosos violentos, que voltam às ruas e aos morros para a prática de crimes que ascendem à categoria de hediondos.

Cabe, fundamentalmente, aos Estados federados o ônus de custódia da massa carcerária, conquanto o disciplinamento legal respectivo seja basicamente de natureza federal. A ausência da União no sistema prisional e a contenção de repasses do Fundo Penitenciário Nacional são decorrentes da carência de recursos, em face da busca do equilíbrio orçamentário nominal, que reserva cifras cavalares para o serviço da dívida, exaurindo os meios seja para aporte social, seja para investimentos.

A edificação e a manutenção de presídios em locais afastados, e mais ainda em relação aos de segurança máxima, exigem somas excepcionalmente elevadas e nem por isso eliminam fugas por túneis e transposição de muralhas, além do manejo de celulares para contato com o crime organizado externo e o ingresso de armas e drogas. Também o sistema de visitas íntimas estimula a libido, com vasto corolário de consequências indesejadas, como submissão ao homossexualismo perverso e deformação da ordem e disciplina internas, transformando o carcereiro em atendente de motel. 

Por outro lado, os estabelecimentos prisionais situados em meio a centros urbanos, com ampla movimentação humana ao redor, alarido de crianças, vozerio de pessoas, visão de mulheres, rumor de veículos, enfim, plena liberdade reinante no entorno, produzem amargor, reação psicológica negativa e anseio insopitável por fugir. O presidiário com longa pena a cumprir, erotizado pelas visitas íntimas, adrenalinado pelo burburinho citadino, estará transformado em verdadeira máquina de fuga.

Diferentemente do que ocorre nos cenários descritos, o sentenciado com pena de média ou longa duração, ao entrar no estabelecimento prisional deverá preparar-se para o período da condenação, revendo anseios sociais, perspectivas de realização pessoal e objetivos econômicos, amoldando-se à ideia de vida singela, tosca, introvertida - pois essa é a realidade de qualquer presídio.

É a possibilidade de superação, ao menos parcial, dessas diversas questões que levam a lembrar a adoção de presídios e/ou penitenciarias em ilhas marítimas. O Serviço do Patrimônio da União possui rol completo de ilhas ao longo do litoral brasileiro, suficiente para determinar as mais adequadas para a finalidade em cada Estado. O manuseio de levantamentos aerofotogramétricos disponíveis facilita a escolha. Capitais privados poderiam interessar-se pelo novo nicho para investimentos.

Trata-se de sugestão sem originalidade. Ilhas-prisão existiram e existem em muitos países. Mesmo o Brasil já dispôs de exemplos. Mas com a adição provisória ou definitiva da modalidade ao sistema prisional estariam no curto prazo minimizados os problemas referidos, dispensando-se dispendiosas edificações e decorrente manutenção.

E, principalmente, porque não só a sociedade, mas também o presidiário serão beneficiários da alternativa. Assim, transplantado do cubículo da cela para o espaço da ilha e a imensidão do mar e do céu que a envolvem, próximo ao potencial construtivo da natureza, livre da promiscuidade e da baixaria dominantes na prisão tradicional, liberto da excitação e das aspirações inviáveis, aí, sim, poderá vicejar o que de bom ainda remanesça na alma e no coração do presidiário.

Evandro Mesquita é advogado e diretor da Fundação Ulysses Guimarães.