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Selvageria em Londres

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Por Redação
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A onda de saques, depredações e incêndios que se propagou desde o fim da semana por uma dezena de bairros londrinos e se reproduziu em cidades inglesas como Liverpool e Birmingham, superou o surto de violência que rebentou em 1981 no subúrbio de Brixton, no sul da capital. Aquele, segundo um relatório oficial, foi essencialmente "uma explosão de ira e ressentimento de jovens negros contra a polícia". Apesar do muito que mudou em 30 anos nas relações entre a polícia e a ampla população afro-caribenha da periferia da metrópole, os barris de pólvora desses lugares nunca foram removidos.As más condições de vida da grande maioria dos seus habitantes, o ócio provocado pelo desemprego, ou melhor, pelo escasso acesso ao mercado de trabalho para as novas gerações; os cortes em programas de promoção social a eles destinados, fazendo-os engrossar a infantaria do tráfico e a formar predadoras gangues juvenis; o culto da brutalidade e a permanente sedução exercida pelo vasto arsenal de bens de consumo em um dos mais prósperos centros comerciais do mundo - tudo, enfim, como que esperava um catalisador para irromper em cenas de barbárie.E, novamente, um incidente policial proporcionou o pretexto. Na quinta-feira, a polícia matou com um tiro no peito um morador negro de Tottenham, no extremo norte de Londres - Mark Duggan -, ao tentar prendê-lo dentro de um táxi. Aos 29 anos, pai de quatro filhos, ele era acusado de atos de violência armada e tráfico de entorpecentes. Vizinhos e amigos dizem que não se tratava de um criminoso, mas de um pacífico homem de família. Ainda não se sabe exatamente por que ele foi abatido. Segundo a versão oficial, Duggan teria reagido à bala à abordagem da polícia, mas o único projétil achado no local era de uma arma da polícia.Deu-se o inevitável, nas circunstâncias. Depois de as autoridades se recusarem a dar explicações aos parentes de Duggan, o que começou com uma vigília pacífica em Tottenham se converteu em explosão de selvageria e se espalhou por bairros distantes entre si dos dois lados do Tâmisa. Comunicando-se pelo Twitter, Facebook e pelo sistema de mensagens do BlackBerry, que garante o anonimato, as gangues insuflaram ataques a viaturas e veículos particulares, depredações, incêndios de prédios, assaltos a transeuntes e rapina de estabelecimentos comerciais. Ontem morreu uma pessoa baleada, não se sabe por quem, no bairro de Croydon.Mais de 500 suspeitos de vandalismo foram presos e mais de uma centena de inquéritos abertos. Porém, no geral, os 6 mil policiais nas ruas não acudiram a população desesperada que fez mais de 20 mil chamados de socorro. As técnicas de controle de distúrbios de que a polícia britânica se gaba de nada serviram - isso, quando se ensaiou adotá-las. Os policiais mal davam conta de se proteger a si mesmos e aos bombeiros. A descoordenação entre o comando e a tropa ficou evidente. E o governo estava em férias: o primeiro-ministro, David Cameron, a ministra do Interior, Theresa May, e o prefeito londrino, Boris Johnson, desfrutavam todos do verão no exterior; o Parlamento, em recesso.Voltaram correndo, segunda-feira, para uma Londres indignada com a evaporação da defesa da ordem pública, em meio à aflição dos comerciantes em busca de seguranças privados. Ainda assim, a ministra do Interior, perguntada se ao menos a polícia poderia usar canhões de água contra as hordas - já que ela excluíra a hipótese de chamar o Exército - disse, com fleuma estarrecedora: "Na Grã-Bretanha não policiamos mediante o uso de canhões de água. Na Grã-Bretanha policiamos mediante o consentimento das comunidades". Depois de se reunir com o comitê de emergência, o premiê Cameron convocou para amanhã uma sessão extraordinária do Parlamento e anunciou um reforço de 10 mil policiais nas ruas. "Quem tem idade para cometer esses crimes", advertiu, "tem idade para ser punido." Os aterrorizados londrinos decerto preferiam que esses crimes, em primeiro lugar, fossem reprimidos.