06 de fevereiro de 2016 | 02h55
Ao instituir o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), com a oferta de vários benefícios fiscais, a intenção da Lei Rouanet era clara: contribuir para a viabilidade de projetos culturais que, de outra forma, enfrentariam sérias dificuldades para a sua realização. A lei não existe para aumentar a lucratividade de projetos que por si sós já são viáveis economicamente.
Para usufruir do incentivo fiscal, o interessado – que pode ser uma pessoa física ou jurídica – deve apresentar proposta ao Ministério da Cultura (MinC). Aprovado o projeto, o empresário é autorizado a captar recursos de empresas e pessoas físicas, que poderão deduzir tais valores do Imposto de Renda devido. Em alguns casos, essa dedução é de 100% da contribuição, respeitados os porcentuais de 4% do imposto devido para as empresas e de 6% do imposto devido para pessoas físicas. Em outros casos, os porcentuais variam de 30% a 80%, dependendo se é doação ou patrocínio, de pessoa física ou de empresa.
As deduções não são valores irrisórios. No Orçamento da União em 2014 previu-se como renúncia fiscal decorrente da Lei Rouanet o montante de R$ 1,4 bilhão. Segundo o Ministério da Cultura, naquele ano as doações e patrocínios de pessoas físicas alcançaram o montante de R$ 24,6 milhões. No caso das empresas, o total chegou a R$ 1,29 bilhão. Diante dessas cifras, é preciso um olhar criterioso na hora de aprovar as propostas que chegam ao Ministério da Cultura.
É verdade que a Lei Rouanet determina que “os projetos enquadrados nos objetivos desta lei não poderão ser objeto de apreciação subjetiva quanto ao seu valor artístico ou cultural”. Trata-se de importante ressalva, que proíbe uma determinada orientação ideológica na concessão dos benefícios fiscais, bem como impede decisões arbitrárias, baseadas exclusivamente em critérios pessoais. Tal regra, no entanto, não impede que o Ministério da Cultura faça uma ponderação sobre o interesse público dos projetos apresentados, como lembrou o TCU na decisão sobre o Rock in Rio 2011.
A Lei 8.313 é bastante clara e fornece todos os elementos necessários para uma avaliação objetiva dos projetos que podem receber benefícios fiscais. Não é preciso, por exemplo, fazer qualquer tipo de avaliação da qualidade musical do Rock in Rio para dar-se conta de que é um evento musical altamente lucrativo. Aliás, em 2012, quotas do empreendimento foram transacionadas entre financistas, o que indica o potencial de lucratividade do negócio.
O Rock in Rio 2011 arrecadou R$ 64 milhões, sendo R$ 6 milhões oriundos de patrocínios de empresas pela Lei Rouanet. No festival seguinte, em 2013, só com ingressos o faturamento foi de R$ 87,9 milhões e, somado aos patrocínios, ultrapassou a cifra dos R$ 100 milhões. Para essa edição, a empresa organizadora do festival foi autorizada a captar R$ 12 milhões com base na Lei Rouanet, e empresas como os Correios, a Redecard e a Sky patrocinaram o evento.
Desde sua entrada em vigor, a Lei Rouanet tem sido decisiva para financiar manifestações culturais de interesse popular, como artistas populares, orquestras sinfônicas, publicações de livros, manutenção de bibliotecas e reformas do patrimônio histórico. No entanto, com o tempo, os recursos passaram a ser usados para financiar eventos caros de empresas comerciais ou atividades escolhidas pelo departamento de marketing de grandes empresas. E isso é claramente um abuso. Não cabe ao Estado bancar, via renúncia fiscal, negócios lucrativos nem tampouco ações de marketing de empresas privadas.
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