21 de outubro de 2012 | 03h08
Quem não controla a fala por ela é dominado. A prudência requer disciplina e caráter. É árduo, diz Plutarco, "fazer dos dentes uma barreira sólida contra o dilúvio da língua". Usando termos da medicina, o teórico batiza a moléstia que acomete o falador como asingesia, a impossibilidade de manter silêncio. Ao piorar a doença, chega-se à diarréousi, a diarreia da boca (Sobre o Palavrório). As frases devem ser pesadas (a origem de "pensar" e "pesar" é comum). Caso oposto, elas aniquilam a sociedade. A ninguém é lícito ignorar a polidez, marca do convívio civil. Sem respeito pelas normas do pacto social, os líderes transformam os cidadãos em alcateia facínora cuja boca é usada para estraçalhar, nunca para exercer o diálogo.
Vejamos a semântica do termo "delator", aplicado pela mídia ao sr. Roberto Jefferson. A origem do termo é grega, como quase todos os vocábulos relevantes de nossa política e medicina. Hoje atravessamos uma crise inédita do Estado. O soberano não consegue exercer na plenitude os monopólios da ordem jurídica, dos impostos, da violência física. Preocupa a incerteza quanto aos limites dos Poderes. Há bom tempo se discute nos meios políticos, ideológicos, religiosos e financeiros a "judicialização" da vida pública, a hipertrofia do Judiciário (C. Neal Tate, The Global Expansion of Judicial Power, 1995).
Em Atenas não existia Ministério Público e nenhuma autoridade legal poderia entrar na Justiça em defesa dos interesses estatais. Cabia "a quem desejasse" (fórmula democrática instaurada por Sólon) o direito de falar em nome do Estado. Quem assim fazia se tornava parte do processo judicial em favor da "polis". Aqueles indivíduos agiam por amor à justiça? Já nos primórdios da vida democrática grega os magistrados desconfiaram dos interesses que movem os acusadores. Logo transformada em profissão, a atividade do sicofanta esmera-se na chantagem pecuniária (para responder em nome alheio a acusação ou renunciar a um processo perigoso para o acusado).
O mister de sicofanta, segundo C. R. Kennedy (citado por John Oscar Lofberg em Sycophancy in Athens, 1976), é "uma feliz mistura de chicaneiro, denunciador, processualista, apalpador, salafrário, mentiroso e caluniador. Ela supõe a calúnia, a conspiração, a acusação mentirosa, a litigância de má-fé, a ameaça de processos judiciais para extorquir dinheiro e, de modo geral, todos os recursos abusivos nos procedimentos legais com fins desonestos".
A inflação dos sicofantas ameaçava a democracia ateniense, pois dividia os cidadãos, enfraquecendo a solidariedade coletiva. Aristófanes dá o nome de "vespas" aos delatores, porque suas picadas molestam a paz coletiva. Embora sua existência se universalize, o delator é odiado. Como no inferno descrito por Sartre, sicofanta é sempre o outro (Catherine Darbo-Peschanski, Por um punhado de figos, judicialização moderna e sicofantismo antigo - in Pauline Schmitt Pantel: Athènes et le Politique).
No Direito Romano, quem denuncia pode funcionar como acusador. Caius permite que escravos delatem seus mestres, mas Claudius proíbe a prática e Galba a pune. Constantino veta a oitiva dos delatores e os condena à morte. No Digesto, a delação é tida como odiosa. Na ordem moderna, o delator aponta o crime, mas o acusador é o interessado em repará-lo buscando a justiça dos tribunais.
No século 18, era das Luzes, o problema apaixona pensadores e políticos. A Enciclopédia coordenada por Denis Diderot disseca o tema. Em verbete é dito que "denunciar, acusar, delatar são termos relativos ao mesmo ato por diferentes motivos. O estrito apego à lei parece motivar quem denuncia, um sentimento honrado ou gesto razoável de vingança, ou uma outra paixão, são marcas de quem acusa. No caso do delator a devoção baixa, mercenária ou servil, o prazer malicioso de fazer o mal aos outros, tudo pode ocorrer sem que ele receba benefícios em troca. Acreditamos que o delator atraiçoa; que o acusador é uma pessoa irritada; que o denunciante é alguém indignado. Embora as três figuras sejam odiosas para a opinião pública, o filósofo às vezes deve elogiar o denunciante e aprovar o acusador. O delator é sempre desprezível".
Temos aí o saber dos séculos contra Roberto Jefferson.
E a "tese" sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) como tribunal de exceção? A língua assim usada contra os juízes é imprudente. O delator indicou ações cometidas por ele e comparsas e foi sancionado negativamente. Os juízes do caso não agiram segundo os moldes do soberano "que decide sobre o estado de exceção". Defensores da Carta Magna, eles não se colocaram acima dela. Tal realidade represa a torrente de palavras e de insultos dirigidos contra os magistrados.
Exigir que todos sejam punidos de modo semelhante, sem discriminação partidária ou ideológica, é um avanço democrático. Nivelar instituições e malfeitores sinaliza o pior atraso político. Hoje é o mensalão petista. Amanhã, o tucano e quejandos. Mas todos os partidos dependem da justiça. Se um deles a recusa alegando "golpismo burguês", a quem apelar no futuro? Às Forças Armadas, às milícias, à guerrilha?
Prudência, senhores, recordem a lição de Fujimori.
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