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Simbiose - oligarquia e populismo

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Por Carlos Alberto Di Franco
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Leôncio Martins Rodrigues, professor titular - hoje aposentado - de Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), renomado estudioso e autor de importante obra no campo da política, foi certeiro no diagnóstico da crise que agride as instituições brasileiras. Em sugestiva entrevista ao Direto da Fonte, coluna de Sonia Racy, jornalista de O Estado de S. Paulo, Rodrigues mostra que a multiplicação de escândalos não punidos é fruto da aliança entre os grupos de Lula e de Sarney. Segundo Rodrigues, "o explícito apoio do presidente Lula - que assim paga a força que lhe deu Sarney no mensalão - configura a união de duas elites. O líder das oligarquias tradicionais do Nordeste junta-se ao líder das novas classes ascendentes". Mas a radiografia de Rodrigues vai ainda mais fundo: "A união foi possível porque os ?novos? aderiram rapidamente ao projeto dos ?velhos?, de fazer da política uma escada para obter proveitos pessoais, enriquecimento e desfrute puro e simples do poder. É algo de fato original. Entre nós, a ascensão dos plebeus não significou a expulsão dos velhos oligarcas. Eles se entenderam, chegamos aonde chegamos." O presidente Lula, de fato, sempre saiu em defesa das oligarquias que sustentam o seu governo. Em recente visita ao Casaquistão, Lula disse que Sarney "não pode ser tratado como uma pessoa comum" e classificou de "política do denuncismo" a revelação de sucessivos escândalos que sacodem o Senado, como os mais de 600 atos secretos para nomear parentes e aumentar salários, entre outras irregularidades. "Sempre fico preocupado quando começa no Brasil um processo de denúncias, porque são acusações sem fim... e depois nada acontece. Não li a reportagem sobre o presidente Sarney, mas ele tem história suficiente para que não seja tratado como uma pessoa comum", disse o presidente, minimizando denúncias sobre os atos sigilosos. É o mesmo Lula que, quando estava na oposição, desfilou um rosário de qualificativos impublicáveis sobre o oligarca do Maranhão. "É importante investigar para ver o que houve", disse o presidente. Para, logo em seguida, num recorrente empenho de relativização da denúncia, questionar: "O que ganharia o Senado com uma contratação secreta, se tem mais de 5 mil funcionários transitando naqueles corredores?" O presidente da República, invariavelmente, sai em defesa daqueles que compõem o seu cinturão de proteção. Incomoda-o, e muito, o pipocar de denúncias envolvendo membros de sua equipe ou de sua base aliada. Não é de agora o comportamento leniente do presidente. Num primeiro momento, desqualifica a denúncia. Nada se apura. Posteriormente, os denunciados voltam ao abrigo do amplo guarda-chuva protetor do poder. Há, sem dúvida, uma simbiose impressionante entre a velha oligarquia e a nova elite ascendente. O que está acontecendo, talvez em proporções inimagináveis, é o resultado final de um silogismo com premissas ideológicas bem concretas. O PT, partido do presidente da República, que sempre agitou a bandeira da ética, na verdade cresceu sob a sombra da práxis de inspiração marxista, isto é, o que importa é o poder a qualquer preço. A ética foi uma bandeira de marketing, mas não é o fundamento da ação. Daí a convivência quase amorosa com os inimigos do passado. Daí o vale-tudo em nome de um projeto de permanência no poder. Por isso, hoje eles encarnam o que sempre criticaram. O pragmatismo algemou a consciência. O projeto de perpetuação no poder, com o terceiro mandato do presidente ou com um clone de Lula, reclama a aquiescência da base aliada. E o preço do apoio está aí escancarado, gritando nas manchetes dos jornais. Loteou-se o governo para obter um passaporte para o aparelhamento do Estado. Posso estar errado, mas vislumbro no horizonte pesadas sombras de autoritarismo populista. O presidente Lula, inteligente como é, soube manter a economia nos trilhos. Ele tem horror da inflação e para evitar o seu ressurgimento é capaz de todas as ortodoxias. Sua biografia, carregada de sofrimento e desamparo, deu à sua alma intensa sensibilidade social. O presidente fez muito pelos pobres e desvalidos. Reconheço seus méritos e sua sinceridade. Ninguém lhe tira seu imenso crédito na poupança eleitoral. Homem de indiscutível talento para a comunicação popular e de patente gosto pelo exercício do poder, Lula soube montar uma rede de apoio ao seu projeto pessoal, que, na minha opinião, caminha em rota de colisão com a cultura democrática. A ameaça plebiscitária, marca registrada de Hugo Chávez e de Evo Morales, não está fora de cogitação. Creio, no entanto, no vigor das nossas instituições. O Poder Judiciário, independentemente de seus problemas e dificuldades pontuais, tem sido pautado por fina sensibilidade democrática. A sociedade civil, embora encantada com o razoável desempenho da economia, não está disposta a abrir mão dos benefícios da democracia. E a imprensa livre e independente cumpre o seu papel de investigação e de denúncia. A democracia é o melhor antídoto contra o veneno da corrupção e do populismo. Como já escrevi neste espaço opinativo, os caminhos democráticos lembram as trilhas de montanha. O excursionista está sempre subindo, até mesmo quando parece que está descendo. A democracia é um lento aprendizado. O eleitor, inicialmente ingênuo e manipulável, vai ganhando discernimento. Não há marketing que sustente indefinidamente a mentira e a impunidade. Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, professor de Ética, é diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br) e da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com) E-mail: difranco@iics.org.br