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Sinais contraditórios

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Por Redação
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A cúpula militar egípcia que derrubou o ditador Hosni Mubarak na última sexta-feira, 18.º dia da Revolução de 25 de Janeiro, como resolveram denominá-la os seus participantes, parece ter ido além do que provavelmente desejariam as centenas de milhares de pessoas que haviam transformado a Praça Tahrir, no centro do Cairo, no cenário de um movimento pela instauração da democracia que galvanizou o mundo, comparável na esfera árabe-muçulmana à queda do Muro de Berlim em 1989.Ainda enquanto ele se recusava a se erguer do trono, o Conselho Supremo das Forças Armadas, do qual são mais conhecidos apenas dois membros - o seu titular, marechal da reserva Hussein Tantawi, durante muito tempo um dos primeiros nomes do regime ditatorial, e o chefe do Estado-Maior das Três Forças, general Sami Hafez Enan -, quebrou o seu costumeiro silêncio ao anunciar solenemente o seu endosso às "legítimas demandas do povo".E depois que Mubarak deixou claro que não havia entendido a mensagem - assim como não ouvira o clamor popular pela sua partida -, os militares finalmente fizeram o que deles se esperava, despachando o ditador para Sharm El-Sheik. O júbilo popular que se seguiu, decerto levando os demais autocratas árabes a se perguntar qual deles será o próximo, abafou o fato de que o Conselho deixou de transferir o poder para o presidente do Parlamento, o sucessor legal de Mubarak.Para os egípcios, porém, não era hora de finos pontos de direito constitucional. Não só estavam livres da soturna figura que os oprimia há três décadas, como estavam fartos de saber que o Parlamento, fruto de faraônicas fraudes eleitorais, não passava de uma câmara de eco das vontades do ditador e avalista das violências do regime. Tanto que a sua dissolução e a suspensão da Constituição, consumadas no segundo dia da nova ordem, foram recebidas com naturalidade. De mais a mais, os comandantes militares, representando a única instituição nacional dotada de legitimidade, prometeram eleições em seis meses.Na véspera, já haviam tranquilizado o mundo ao afirmar que, sob a sua tutela, o Egito cumprirá os seus compromissos internacionais, neles incluído o reconhecimento de Israel - fato que custou a vida a Anwar el-Sadat, o antecessor de Mubarak, e tornou o Egito destinatário de US$ 1,3 bilhão por ano em ajuda militar americana. Mas, pelo que deixou de anunciar, o Conselho emitiu sinais contraditórios em matéria de adesão aos princípios democráticos pelos quais 300 pessoas morreram durante os protestos populares.O Conselho não soltou os presos políticos, que apodrecem nas masmorras egípcias, nem revogou o estado de emergência em vigor desde 1981, que permitiu a Mubarak encarcerar os seus críticos reais ou presumíveis e manter a imprensa amordaçada. No seu terceiro comunicado, a cúpula militar reiterou que a legislação ditatorial será derrogada "assim que as atuais circunstâncias terminarem". Os militares escolherão eles próprios os membros do comitê que irá redigir a nova Constituição - a sua única concessão, por enquanto, foi a de acenar com um referendo para ratificá-la. Por fim, mantiveram por ora o Ministério remodelado por Mubarak quando a repressão falhou em calar os protestos. Como diz o primeiro-ministro Ahmed Shafiq, a única diferença é que, em vez de responder ao presidente, o Gabinete responderá ao Conselho. Em suma, por enquanto os militares apenas deceparam o topo da estrutura política egípcia. Talvez não pudesse ser de outra forma. A autocracia mumificou o sistema de partidos, a mídia e as instituições de governo. A única força política organizada no país é a Irmandade Muçulmana, ilegal desde 1954. E o Exército, com os seus vastos interesses econômicos e escassos pendores liberais, obteve tudo que quis da gerontocracia de Mubarak. Ninguém melhor do que o marechal Tantawi, de 75 anos, que se outorgou a função de chefe de Estado, encarna a mentalidade conservadora do velho estabelecimento militar. Como não podia deixar de ser, a queda do ditador, portanto, foi só o fim do começo. O resto está para ser escrito.