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Só mudar a lei não resolve

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Por Redação
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O projeto do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que introduz várias modificações no Código de Trânsito, para torná-lo ainda mais severo - e que expressa informalmente a posição do governo -, incide num erro muito frequente entre nossos homens públicos: o de pensar, contrariando repetidas lições da experiência, que as leis são suficientes, por si sós, para resolver os problemas. Como mostra reportagem publicada segunda-feira no Estado, a proposta, que a base aliada espera seja aprovada pela Câmara até o fim deste ano, se concentra nos casos mais graves. O motorista que exceder em 50 km/h o limite de velocidade por duas ou mais vezes no período de um ano poderá ser punido, além da multa, com pena de seis meses a dois anos de prestação de serviços à comunidade. Castigo mais severo receberá o motorista responsável por delitos como rachas, omissão de socorro a vítimas, homicídio e lesão corporal culposa. Hoje, ele é punido com multa e proibição de dirigir por pelo menos dois meses. Pela proposta, essa proibição pode chegar a cinco anos. O projeto estabelece também que os motoristas profissionais de ônibus e caminhões não poderão dirigir por mais de quatro horas ininterruptas, o que, se ocorrer, será considerado infração grave. "São 35 mil mortes por ano no trânsito brasileiro. O que queremos é aumentar a severidade das punições", afirma o deputado Zarattini. Ele poderia acrescentar, para dar ideia mais precisa da verdadeira tragédia do trânsito, que, além daquele número alarmante de mortos, os acidentes nas estradas e ruas do País deixam, por ano, 100 mil pessoas com deficiências permanentes ou temporárias e 400 mil feridos, segundo cálculos da Associação Nacional de Transportes Públicos, com base em dados de 2003 a 2006. E nada indica que a situação melhorou desde então. Acrescente-se que o atendimento a esses feridos tem um forte impacto no precário sistema público de saúde. A relação direta de causa e efeito entre o aumento do rigor das penas e uma diminuição do número de acidentes, sugerida por Zarattini, está longe de ser uma verdade inquestionável. O erro básico dessa e de outras propostas semelhantes é que, na verdade, ninguém sabe com precisão se as atuais regras do Código de Trânsito são ou não suficientes para atingir o objetivo de Zarattini - certamente compartilhado por todos os brasileiros - de reduzir progressivamente as dimensões da tragédia que se desenrola todos os dias nas estradas e ruas do País. Por uma razão muito simples: a aplicação do Código nunca foi observada como deveria por causa da notória deficiência da fiscalização. Se não se conhecem os efeitos que o rigoroso cumprimento do Código pode produzir, as tentativas tanto de endurecê-lo como de amenizá-lo (não faltam também propostas nesse sentido) não têm a base necessária para que sejam confiáveis. Seria muito bom se o endurecimento puro e simples das leis resolvesse os problemas de que elas tratam. Infelizmente não é assim. Boas leis, em muito casos, é o que não nos falta. O que falta é a capacidade de fiscalizar com eficiência o seu cumprimento. É por isso que elas viram letra morta, "não pegam". Até agora, diante da tragédia do trânsito - e é por isso que ela persiste -, o poder público tem fugido sistematicamente às suas responsabilidades. A primeira é a da melhoria da fiscalização, que só funciona quando serve para reforçar os cofres públicos com o aumento das multas. O dinheiro que falta para campanhas educativas, por exemplo, capazes de influir a médio e longo prazos no comportamento dos motoristas, sobra para a instalação de lombadas eletrônicas e radares. Se as multas continuam crescendo é porque os motoristas estão cada vez mais irresponsáveis e mal educados - ou seja, não há quem os reprima ou eduque. O poder público também não cumpre sua obrigação de cuidar melhor das estradas e ruas, esburacadas e sem sinalização adequada. Seu péssimo estado de conservação é outro dos principais responsáveis pelos acidentes. Enquanto nada disso for feito, será inútil, para não dizer demagógico, endurecer as leis de trânsito.