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Sob a lei de Delúbio

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Por Redação
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Cobrada para abrir de uma vez por todas a caixa-preta dos gastos dos deputados que a Câmara devolve até o limite de R$ 15 mil mensais - a chamada verba indenizatória, já de si uma extravagância -, a direção da Casa resolveu aplicar a lei. A lei de Delúbio, bem entendido. Em abril de 2004, quando um desavisado companheiro propôs, em nome da transparência, que o PT publicasse periodicamente na internet a contabilidade de suas campanhas, com as doações recebidas e as despesas efetuadas, o então tesoureiro da legenda, Delúbio Soares, fulminou a ideia com um argumento irrespondível: "Transparência assim já é burrice." Entre outros motivos, alegou, porque a prestação de contas "poderia causar mal-estar aos doadores". Para todos os efeitos práticos, terá sido exatamente esse o espírito da decisão da Mesa da Câmara de tornar públicos - de uma maneira, digamos, inteligente - os dispêndios reembolsáveis dos 513 deputados com rubricas supostamente indispensáveis ao exercício do mandato (aluguel e manutenção de escritórios de apoio nos seus Estados, deslocamentos, consultorias e "divulgação da atividade parlamentar"). Desde a sua adoção, em maio de 2001, calcula-se que o ressarcimento custou ao contribuinte pouco mais de meio bilhão de reais. E até agora a única informação exposta na internet a respeito só diz quanto cada parlamentar gastou no que, poupando-se dos detalhes o público pagante. Detalhes escabrosos, em alguns casos. Em 2006, por exemplo, apareceram indícios de que mais de 100 deputados podiam ter apresentado notas frias de despesas com combustíveis. Ninguém foi punido e a caixa-preta continuou aferrolhada. Só na semana passada, quando se soube que o deputado-castelão Edmar Moreira, próspero empresário do setor de segurança, desembolsou com esse item no ano passado R$ 140 mil, os líderes de bancada acionaram a Mesa recém-eleita para tornar mais acessível a contabilidade da verba indenizatória. Deu no seguinte: em 45 dias (por que não de imediato?), a Câmara colocará na internet os dados das notas fiscais (número, valor e nome da empresa emitente) trazidas pelos deputados para fins de reembolso. Mas inteligentemente - no sentido que o mensalônico Delúbio daria ao advérbio - a cúpula da Casa decidiu que a transparência não será tanta a ponto de incluir a divulgação dos mesmos dados referentes ao 1,5 milhão de notas arquivadas desde a vigência do esquema, impedindo os interessados em fiscalizar o destino dado ao dinheiro público de rastrear as esbórnias cometidas em 8 anos de verba indenizatória. Por onde quer que se olhe, trata-se de uma anistia aos fraudadores do próprio privilégio que os parlamentares se concederam, alegadamente para o adequado cumprimento de seus mandatos. Isso ainda não é tudo. As imagens das notas fiscais e recibos não aparecerão no site da Câmara - muito menos o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da empresa que lhes vendeu bens ou prestou serviços indenizáveis. A limitação, antes de mais nada, contraria o princípio da publicidade dos dados vitais das pessoas jurídicas que recebem recursos do erário. Quando divulga as despesas dos titulares de cartões corporativos no Portal da Transparência, o Executivo não omite aquela informação. Sem ela - eis o ponto crítico da questão - é impossível pesquisar na Receita qualquer coisa sobre as firmas com as quais os deputados transacionaram; por exemplo, se são reais ou fantasmagóricas, se estão em dia ou têm pendências com o Fisco, ou, ainda, se pertencem a políticos e seus familiares. (No caso do castelão Edmar Moreira, suspeita-se que ele tenha usado a verba indenizatória para pagar uma empresa de segurança de que é dono.) A explicação dos dirigentes da Câmara é que a divulgação do CNPJ poderia constranger os deputados que fizeram gastos em empresas eventualmente irregulares. Também Delúbio não queria constranger os doadores do PT. Mas o caso da Câmara é pior: preocupar-se (se é disso que se trata) com o possível constrangimento de seus membros equivale a perverter a relação entre o representante eleito e o eleitor. Aquele, por definição, deve a este correção ética - para começar. E este tem o direito de saber tudo dos atos daquele que guardem relação com o mandato recebido.