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Sociedade civil e educação na América Latina

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Por Fernando Carrillo-Flórez e representante do BID no Brasil
3 min de leitura

A incidência de movimentos sociais voltados para a educação na América Latina e no Caribe tem aumentado nos últimos anos. São organizações criadas por líderes civis, sociais e empresariais que compartilham a visão de que a promoção da educação de qualidade para crianças e jovens, sobretudo no que diz respeito ao acesso, é uma das estratégias mais eficazes para tornar a nossa sociedade menos desigual e mais competitiva.Para tanto é necessário mobilizar a opinião pública em torno desse objetivo, incentivando, apoiando e trabalhando junto aos governos para manter as políticas públicas em dia. Esse trabalho é amplo e complexo. A educação básica na América Latina e no Caribe constitui-se num desafio e numa oportunidade, ao mesmo tempo.Hoje praticamente todas as crianças da região alcançam a educação básica e o acesso aos níveis fundamental e médio vem aumentando consideravelmente. Isso ocorre porque a maioria dos sistemas educativos da região implementou diversas reformas. De todo modo, os avanços não são suficientes. Ainda há crianças e jovens fora da escola e permanecem padrões intoleráveis de exclusão e iniquidade.Em nossa região há 23 milhões de crianças e jovens - entre 4 e 17 anos - fora do sistema educativo. Entre os que estão em idade pré-escolar, 30% não vão à escola. E esse índice ultrapassa os 40% em grupos de populações mais vulneráveis - comunidades pobres, rurais, indígenas e afrodescendentes.Ainda assim, o principal desafio educacional da região, atualmente, é a baixa qualidade de aprendizagem dos estudantes. Estudos nacionais, regionais e internacionais indicam que os graus de aprendizagem são muito baixos em todos os níveis, assim como são desiguais entre grupos socioeconômicos; inferiores aos países desenvolvidos e de renda per capita similar; e inadequados para as novas demandas sociais.A evidência empírica sugere que os estudantes latino-americanos não estão adquirindo os níveis necessários de habilidades-chave para a construção de sociedades democráticas e igualitárias. Essa situação é explicada pelo baixo investimento por aluno, pelo atraso e concentração da gestão educativa, pela carência de sistemas de monitoramento e avaliação da qualidade, pelos precários e eventuais perversos incentivos ao ensino e pela falta de visão estratégica e continuidade nas políticas públicas.O conteúdo do ensino não condiz com a realidade dos estudantes, que abandonam prematuramente os estudos; os professores perderam o prestígio e respeito nas comunidades e deixaram de cumprir sua tradicional função de liderança; os pais não sabem o que exigir das escolas; e os grupos sociais atuam sem objetivos comuns.Diante dessa realidade, os movimentos sociais e organizações da sociedade civil dedicados à educação vêm desempenhando papel fundamental. Essas organizações são o "termômetro" do que acontece na sala de aula e no ambiente escolar. Atuam diretamente nas comunidades e unidades de ensino, com professores, alunos e grupos familiares. Desenvolvem análises, estudos, projetos educacionais complementares e apoiam o desenho e construção de políticas públicas.No Brasil, o Movimento Todos pela Educação é um exemplo de como a iniciativa privada, a academia e gestores públicos podem reunir esforços numa agenda de desenvolvimento ampla, com ações concentradas e coordenadas. Esse movimento busca o mesmo que as outras organizações da região dedicadas ao tema: garantir o direito de todas as crianças e jovens a uma educação de qualidade.Nos outros países da América Latina e do Caribe, a universalização do ensino também é perseguida e movimentos bem estruturados começam a apresentar resultados. Nesse contexto, a construção de uma rede com essas organizações, considerando as grandes similaridades entres os países latino-americanos, poderia ser a ponte de compartilhamento de experiências bem-sucedidas e lições aprendidas.Por considerar todas essas variáveis, a Rede Latino-americana de Movimentos Sociais para a Educação começa a ganhar corpo. Organizações da sociedade civil de Brasil, Argentina, Colômbia, Chile, Guatemala, Honduras, El Salvador, México, Peru, República Dominicana, Panamá e Equador reuniram-se em 16 de setembro, em Brasília, para marcar o compromisso público de contribuir para a universalização da educação de crianças e jovens.Trata-se de uma rede diversa, tanto no tocante às origens de cada organização quanto ao percurso já transcorrido, o que só enriquece o intercâmbio do conhecimento a ser aplicado. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) tem apoiado essa iniciativa, tendo como principal missão aprender com tais organizações e facilitar a sua articulação.É importante pensar a educação não apenas no contexto nacional, mas buscando níveis educacionais ascendentes para toda a região. E isso requer um compromisso de todos os países, de seus respectivos gestores públicos, da sociedade civil, da academia e do setor privado.A ideia da rede é criar condições para que as políticas públicas dos países latino-americanos sejam bem-sucedidas, com ações que visam ao acesso ao conhecimento, à transferência, adoção e adaptação de soluções estratégicas e ao aumento do potencial de incidência dos governos, a partir de uma maior visibilidade com novos canais de comunicação.Ainda no marco da cooperação Sul-Sul, esse tipo de iniciativa evidencia a necessidade de que os países trabalhem cada vez mais integrados diante dos desafios do desenvolvimento de nossa região. Nesse sentido, a educação é fator primordial de uma agenda de reformas sociais em que o Brasil vem demonstrando liderança. Nascem uma nova base de apoio aos gestores públicos da região e uma nova forma de pensar a educação, com o fortalecimento e a participação da sociedade civil.