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Sofreguidão e atropelo

A renovação do Congresso, que alimenta esperanças de um cenário político mais probo, acarreta também incertezas

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Por Redação
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A eleição do dia 7 de outubro gerou intensa renovação das cadeiras da Câmara dos Deputados, muito acima das previsões. Agora, a expectativa é de que os novos parlamentares tenham no Congresso comportamento mais limpo e responsável com o interesse público do que está tendo a atual legislatura. Há de se alertar, no entanto, que alguns novatos eleitos estão agindo com demasiada sofreguidão: nem foram diplomados e já prometem atropelos institucionais. O poder exige responsabilidade.

Na semana passada, Eliéser Girão Monteiro Filho, eleito deputado federal pelo PSL do Rio Grande do Norte, defendeu o impeachment e a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Em sua conta no Twitter, Girão Monteiro Filho, que é general da reserva, escreveu: “Prato do dia: mais um corrupto solto pelo STF. Dentro do plano de moralização das instituições da República, está o impeachment de vários ministros do STF. Não tem negociação com quem se vendeu para o mecanismo. Destituição e prisão. A moralização começará pelo Congresso”.

Questionado pelo Estado sobre sua publicação, o general da reserva ratificou o que havia escrito: “É isso. O Senado tem de cumprir o papel dele”. De fato, é competência privativa do Senado o julgamento do processo de impeachment de ministros da Suprema Corte. No entanto, processo de impeachment exige a constatação prévia de crime de responsabilidade. A Constituição diz que cabe ao Senado “processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal (...) nos crimes de responsabilidade”.

Monteiro Filho deixa claro, no entanto, que ele quer o impeachment e a prisão de ministros do STF por força de decisões da Corte das quais ele discorda, como a liberação de políticos acusados de corrupção. O que o político novato chama de “plano de moralização das instituições da República” é um evidente atropelo institucional, que fere a separação de Poderes. O Judiciário - especialmente o Supremo, por seu papel de guardião da Constituição - não deve estar submetido aos arroubos de um deputado recém-eleito que profere ameaças à independência e à autonomia dos magistrados. A Constituição é cristalina na proteção das garantias de independência e de imparcialidade dos juízes (art. 95).

Fora da lei não há espaço para a moralização das instituições. E é dever das autoridades, sejam elas do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, dar límpido exemplo de respeito pela ordem legal. Voluntarismos e individualismos que extrapolam as competências institucionais causam graves danos ao País. Em um Estado Democrático de Direito, cabe à Justiça decidir sobre a prisão e a soltura das pessoas, por mais que tais decisões possam causar desagrado.

O PT tem sido pródigo nas tentativas de coagir a Justiça para obter benesses e privilégios em prol de seus interesses partidários. A legenda não consegue compreender que seu grande líder também está submetido à lei e, portanto, às decisões judiciais. Só faltava que deputados recém-eleitos, de distintas legendas e que representam a tão esperada renovação do Congresso, reforçassem essa pressão sobre o Judiciário, na tentativa de atender a suas idiossincrasias políticas.

Os tempos atuais pedem serenidade. Há uma série de reformas urgentes, cujo desenlace afeta diretamente a governabilidade do País. A renovação do Congresso, que alimenta esperanças de um cenário político mais probo, acarreta também incertezas sobre a capacidade de coordenação e de realização do Legislativo. É preciso, portanto, não inflar ainda mais os radicalismos e as polarizações, especialmente quando transigem com a legalidade. As urnas trouxeram novos ares para o Congresso, com algumas votações muito expressivas. Isso não autoriza nenhum atropelo da ordem constitucional. E também não torna desnecessário respeitar os tempos da política. São, por exemplo, extemporâneas as atuais investidas em relação à futura presidência da Câmara. Ambições descabidas e extemporâneas geralmente expõem o que há de sombrio nas almas.