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Tapinha na mão de Assad

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Por Redação
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A tibieza da comunidade internacional diante das atrocidades do ditador sírio Bashar Assad contra a população civil, na escalada repressiva para esmagar o movimento de massa pelo fim do seu regime despótico, ficou escancarada na quarta-feira. Enquanto o Conselho de Segurança (CS) da ONU aprovava, depois de quatro meses de negociações, uma desdentada "declaração presidencial" condenando suavemente Damasco pela violência que já provocou mais de 1.600 mortes, em Hama, no centro da Síria, tanques, blindados e atiradores de elite das forças de segurança abriam fogo contra tudo que se movesse e moradias suspeitas de abrigar "gangues armadas", como a ditadura se refere aos insurgentes.Hama - onde em 1982 o ditador Hafez Assad, pai do atual, matou pelo menos 10 mil habitantes para acabar com um levante islâmico - tornou-se o epicentro das manifestações pela democratização do país, desencadeadas há cerca de cinco meses, na esteira dos movimentos populares que apearam os ditadores da Tunísia e do Egito. Depois de uma fracassada tentativa do regime de domar a cidade, os ativistas dela se apoderaram, erguendo barricadas em torno da Praça Assi, o equivalente sírio à Praça Tahrir do Cairo, onde por semanas a fio centenas de milhares de pessoas se reuniam para exigir a saída do tirano Hosni Mubarak. No último domingo, véspera do início do Ramadã, Assad ordenou uma ofensiva militar que deixou algo como 80 mortos em Hama e mais 60 em outras localidades.O recrudescimento da repressão obrigou o Conselho de Segurança a tomar uma atitude. As chancelarias de países-membros como a Rússia e o Brasil, que, ao lado da China, Índia e África do Sul, se opõem à adoção de sanções contra o governo sírio e seus hierarcas, manifestaram-se pela primeira vez em termos duros contra a selvageria de Damasco. O Itamaraty se disse indignado. O seu similar russo falou em "atos inaceitáveis". De todos os integrantes do CS, salvo o Líbano, a Rússia é a mais fiel parceira da Síria. O que explica por que, apesar do novo tom, tenha se empenhado em aguar a resposta aos ultrajes de Assad.Moscou trabalhou para que o CS produzisse não mais do que a inócua declaração presidencial. A alternativa, uma resolução condenatória abrindo caminho a medidas punitivas, como desejavam os EUA e os aliados europeus, seria rejeitada por russos e chineses, membros do CS com poder de veto. Mas, se a declaração era o limite do possível, nada justifica a aberrante equiparação entre repressores e reprimidos incluída no texto, com apoio do Brasil. Ao instar "todas as partes" a agir com moderação e evitar represálias, o documento acrescenta "incluindo ataques a instituições estatais". A equivalência entre protestos civis de rua contra uma ditadura e o seu sangrento revide foi uma vitória política para Damasco.A suave crítica do CS, um tapinha na mão de Assad, pelo menos rompe o imobilismo da ONU e cria um precedente. Quanto mais perdurar o impasse na Síria, maiores serão as pressões por uma réplica mais dura do Conselho. Ciente disso, o regime quer acabar com a oposição o quanto antes e a qualquer preço. Segundo rumores, Assad estaria sendo criticado no seu círculo íntimo por não radicalizar a repressão de vez. A violência militar-policial contra o povo só galvanizou a insurgência e isolou o regime. Por isso, Assad tenta outros métodos. Enquanto suas tropas massacravam os opositores em Hama, seu regime anunciava a abertura do sistema político, permitindo o multipartidarismo. Mas ele já foi longe demais e ninguém acredita que faça reformas liberalizantes para valer, apesar de ter diante de si o exemplo egípcio. O ataque a Hama coincidiu com uma cena nunca antes vista no mundo árabe: um ditador deposto ir a julgamento pelos crimes cometidos (com o toque dramático de ser levado ao tribunal de maca, dentro de uma jaula). A sina de Hosni Mubarak, se estimula os combatentes da liberdade na Síria, decerto fará Assad pensar no que poderá suceder-lhe se não os esmagar - ou fugir para o exterior enquanto é tempo.