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Tecendo a rede de aprendizagem

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Por David Cavallo
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O paradoxo da produtividade se refere à contradição aparente que ocorre quando um avanço tecnológico significativo é acompanhado por um declínio na produtividade. Por exemplo, com o advento dos motores elétricos, a produtividade nos Estados Unidos encolheu por mais de dez anos. A eletricidade não facilita a produção? O que poderia ter causado essa queda?Não é que as novas tecnologias não conduzissem à produtividade. O problema é que os processos das tecnologias prévias permaneciam vigentes, negando o potencial do novo. A resistência à mudança triunfou sobre os benefícios da inovação. Isso sugere que a mentalidade dos responsáveis era ainda mais rígida que os paradigmas obsoletos.O uso das tecnologias digitais para a aprendizagem segue esse mesmo padrão. Muitos estudos comprovam a obtenção de pequenos triunfos, mas eles estão muito aquém dos benefícios que os computadores catalisaram em virtualmente todos os demais campos. Como podem os computadores e a conectividade permitirem um incrível ganho no conhecimento e mudarem completamente o mundo, e ainda não transformarem a educação, cuja função é o desenvolvimento do conhecimento?Assim como ocorreu quando da apropriação de outras tecnologias, os computadores atualmente são utilizados da mesma forma que tecnologias antigas. Nós os usamos para apresentar informações a estudantes passivos e testá-los na rememoração de informações. A inutilidade de tal abordagem, quando virtualmente todas as informações estão apenas a um clique de distância, é perturbadora - um testemunho das mentes fechadas à mudança apesar da avassaladora aceitação de necessidade de transformações.Um foco na informação é obsoleto. Raciocínios profundos, criatividade, colaboração e comunicação são os talentos que precisamos desenvolver. Ainda assim, nós seguimos agindo como se o mundo fosse do mesmo jeito que era cem anos atrás e nunca tivéssemos aprendido sobre a aprendizagem. O computador é a melhor ferramenta inventada para a aprendizagem e a disseminação do conhecimento, ainda que na educação nós o utilizemos de modos que removem sua potência. É como se utilizássemos um chassi de Fórmula 1, porém retirando seu motor e esperando que assim ele se tornasse um veículo mais rápido.Os velhos modos de pensar compelem os educadores a utilizar vídeos no computador. Mas, se a transmissão de vídeos não transformou a educação, o que nos faz pensar que o streaming na rede poderia fazer isso? Os velhos modos de pensar ameaçam o potencial de personalização ao reconhecer que todos nós aprendemos de maneiras diferentes, mas somente modificam a forma de apresentação da informação. Os velhos modos de pensar até mesmo incorporam a nova terminologia, ainda que as ideias e práticas frequentemente sejam subvertidas e despotencializadas.Compete-nos repensar o como, o que, o quando, o onde e o com quem dos processos de aprendizagem. Nós sabemos que todos aprendem melhor quando estão ativamente implicados na aprendizagem por meio da ação, especialmente com o amparo de especialistas renomados e apaixonados.A computação permite tornar concretas, pessoais, ativas e conectadas algumas áreas mais abstratas da matemática e das ciências, consideradas de difícil compreensão quando utilizados meios mais passivos. Isso é possível pela utilização do computador como ferramenta para construção, expressão e comunicação de ideias.A rede possibilita não apenas a conexão com a informação, mas, mais importante, a interação com especialistas que talvez não estejam localmente disponíveis. Por exemplo, no passado, o limite para o conhecimento matemático de alguém seria o alcance do conhecimento de seu próprio professor. Nas áreas rurais ou em locais onde professores de alto nível são escassos, esse é um grande problema. A solução, portanto, não é televisionar aulas, e, sim, fazer matemática com os matemáticos espalhados pela rede.O desenvolvimento de habilidades do século 21 não ocorrerá se os alunos receberem passivamente informações padronizadas. Esse desenvolvimento só pode ocorrer por meio de práticas ativas e reflexivas.Foi pouco explorada a necessidade de repensar o modo como buscamos as transformações sistêmicas. Aqui, também, nós confiamos em métodos obsoletos e ignoramos o valor da rede. Enquanto a rede transforma o mundo e a aprendizagem ocorre em nível global, quando pensamos em modificar a educação agimos como se ainda estivéssemos amarrados em concepções ultrapassadas. Da mesma forma que a rede possibilita a aprendizagem individual, ela também auxilia na aprendizagem sistêmica.Todos concordam sobre a importância da educação de alta qualidade para todos para criar uma sociedade justa, sustentável, democrática e economicamente viável. As limitações do sistema atual também são amplamente conhecidas. O paradoxo mais perturbador é que, apesar dos problemas, não há vontade de uma mudança real, que não seja apenas superficial e provisória.Ao Brasil não faltam crianças brilhantes. Também não faltam professores dedicados e profissionais criativos. O Brasil é o lar de muitas inovações educacionais, sociais e tecnológicas.O que se precisa é de visão, comprometimento e liderança daqueles que estão nas posições mais elevadas. Talvez, mais importante, sejam necessárias ações ousadas. O que se precisa é de mais oportunidades e recursos para criar ambientes inovadores de aprendizagem, especialmente para aqueles a quem isso era anteriormente negado. Se o Brasil realmente se comprometer com a criação de um mundo educacional apropriado aos tempos modernos, será possível criar o Brasil que o mundo sonha, e o Brasil pode liderar a criação de sociedades justas, sustentáveis e diversificadas.*David Cavallo é professor visitante da Universidade Federal do Sul da Bahia e é director executive do Learning Propulsion Laboratory.