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Opinião|Temperaturas da disputa presidencial

Atualização:

O clima eleitoral estava absolutamente morno até a morte trágica de Eduardo Campos. A distância do embate e a Copa do Mundo seriam explicações. Mas o quadro da disputa era desinteressante: de um lado, Dilma Rousseff, figura que em nada encanta como personalidade, sempre com cara de maus amigos, dona de uma linguagem incompreensível; de outro, dois ex-governadores mais conhecidos em seus Estados, com biografias semelhantes, buscando obter dimensão nacional. Aécio Neves e Eduardo Campos eram antes candidatos à Presidência da República do que líderes dotados de personalidade marcante no cenário brasileiro, sem posições que no passado recente lhes tivessem dado forte identidade. Dilma, cria de Lula, desgastou-se com os clamores de volta do seu criador e vive um contexto econômico desastroso, além da sua antipatia natural. Em suma, tinha-se, e tem-se, uma candidata sem graça, que levava a uma eleição desinteressante: mais do mesmo. Já os dois bem-sucedidos governadores buscavam tornar-se conhecidos, pois não haviam ainda se apresentado à Nação como formadores de opinião, portadores de ideias-força mobilizadoras da população. Apareceram, e bem, como candidatos, mas não como condutores independentemente da eleição. Como disse, a semelhança entre ambos era curiosa: Aécio Neves, nascido em 1960, entrou na política pela mão de seu avô Tancredo, que o chamou do Rio de Janeiro, onde cursava Administração de Empresas, para, com 21 anos, assessorá-lo na vitoriosa campanha para governador de Minas Gerais. No governo, veio a ser secretário particular do avô governador. Eduardo Campos, nascido em 1965, também com 21 anos abriu mão de estudar Economia nos Estados Unidos para participar da campanha do avô Miguel Arraes em 1986. Depois da vitória, tornou-se chefe de gabinete do avô governador de Pernambuco. Aécio foi por quatro vezes consecutivas eleito deputado federal por Minas Gerais. Campos foi deputado estadual por um mandato e deputado federal por três. Ambos sempre alcançaram votações expressivas nas eleições parlamentares. Aécio governou Minas de 2003 a 2010. Campos foi governador de Pernambuco de 2007 até abril de 2014. Ambos, que entraram na política bem cedo e tiveram sucesso, chegando à presidência de seus partidos, sofriam do mesmo mal: precisavam fazer-se conhecidos. Por ironia do destino, Eduardo Campos só alcançou repercussão em todo o País com sua trágica morte, lançando na véspera uma frase notável: "Não vamos desistir do Brasil". Outra semelhança a notar entre ambos os ex-governadores está na atenção que deram a dois setores-chave: segurança e educação. No campo da segurança, Campos implantou com sucesso o projeto Pacto com a Vida, que reduziu significativamente o número de homicídios em Pernambuco. Aécio, em Minas Gerais, também realizou o Programa de Controle de Homicídios Fica Vivo, com queda por vezes de 50% de casos de assassinato em algumas regiões. Na área da educação, Campos promoveu avanços, com resultados altamente positivos no Índice de Educação Básica (Ideb). Aécio, em Minas, criou o programa de educação em tempo integral, ganhando o reconhecimento no Ideb de ter a melhor educação do Brasil. No início de agosto, no entanto, Aécio tinha 23% das intenções de voto e Campos, 9%, prevendo-se, ainda dentro da margem de erro, a possibilidade de haver segundo turno graças à votação do pastor Everaldo e de outros nanicos. Os destaques de Aécio e de Campos, com tradição política e trajetórias recheadas de vitórias e muito parecidas, não tiveram o condão de, somados, superar uma candidata tão contornada de dificuldades pessoais, com uma conjuntura econômica e política complicada. Com a assunção de Marina Silva à condição de candidata, aqueceu o confronto e operou-se uma reviravolta, devida, apenas em pequena monta, à comoção pela morte de Eduardo Campos. São os reflexos do descontentamento manifestado em 2013 e do desejo de mudança que não encontraram resposta nos talentosos e bem-sucedidos governadores Eduardo Campos e Aécio Neves. Percebe-se uma busca do novo com forte identidade, antes líder do que candidato, um novo confiável no plano emocional e racional. Marina Silva teve percurso bem diverso dos netos de grandes homens. Viveu até os 16 anos em seringais, contraiu malária e leishmaniose, alfabetizando-se adolescente para, mais tarde, se formar em História e em Psicopedagogia. Também com trajetória política no Legislativo - vereadora, deputada, senadora - e candidata à Presidência em 2010, sua força advém menos dos cargos ocupados, mesmo no Executivo, como ministra do Meio Ambiente, e mais das bandeiras que sempre empunhou e da firmeza pessoal havida na luta pela sustentabilidade. Assim, a "onda" Marina, com perspectiva de vitória nas eleições de outubro, não decorre apenas da presença anterior no cenário político, que tanto ela como Aécio e Campos tiveram. Deflui, sim, da sua personalidade, da sua figura física e moral, que neste instante se casa com o tipo de governante desejado por grande parte da população, como se vê ao atrair votos nulos e em branco e bom número de indecisos. No quadro de desânimo com os políticos, depois de tantos escândalos, a começar pelo mensalão, o eleitor deve examinar compromissos e programas de governo para decidir seu voto, mas em geral o dado emocional da confiança pode preponderar, com vantagem para Marina Silva, que melhor personifica a garantia de mudança na forma de fazer política. Confrontam-se a figura de Marina, dotada de intensa identidade, e a de um governador de sucesso, com experiência administrativa e apoio de partidos e pessoas de peso. Bom é que ambos têm condições de mudar o que aí está e, para tanto, devem caminhar juntos no segundo turno. * ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR APOSENTADO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Opinião por Miguel Reale Júnior