Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|Tio Bóris e o PT

Atualização:

Da crise econômica e política em que já estamos mergulhados, e da crise social que se avizinha, o fundamental para vislumbrar uma saída é admitirmos a grande crise moral em que sempre estivemos metidos. A propósito, lembrei-me de uma parábola dessas que circulam na internet defendendo os valores morais da tradição judaica. Valores que fundamentam sua intrínseca cultura de democracia e cidadania, construída até mesmo a despeito da soberania sobre uma territorialidade. Uma piada quase parábola que acredito possa ilustrar muito bem o momento que vivemos no País. A narrativa dá conta de um velho senhor judeu, o Tio Bóris, que estava saindo da antiga União Soviética, aproveitando um indulto recém-concedido pelo governo. Quando Tio Bóris se dirigia à alfândega, foi parado por um policial que, na revista de sua bagagem, lhe perguntou o que era aquela estátua reluzente que ele trazia em meio a seus pertences. Ao que Tio Bóris respondeu que era de Stalin, o grande líder, e que ele a carregava sempre consigo para nunca se esquecer de reverenciá-lo. E assim o judeu foi liberado para sair do país. Chegando a Israel, Tio Bóris foi parado de novo na alfândega de Tel-Aviv. E, para sua surpresa, novamente lhe perguntaram o que era aquela reluzente estátua. Ao que o velho tornou a responder que era uma estátua de Stalin, mudando apenas os atributos de grande líder para cruel tirano, causador de muita miséria e desgraça ao povo judeu. Diante da confirmação de suas próprias crenças, o policial liberou imediatamente a entrada no país. Chegando finalmente à casa de seus parentes e desfazendo as malas no quarto, entra um dos pequenos sobrinhos e pergunta, curioso, de quem era aquela estátua. Ao que Tio Bóris responde: "Ora, meu sobrinho, não importa de quem seja. O que importa é de que é feita, 12 quilos de ouro maciço! O que dá para vivermos o resto de nossos dias". Pois é, quem só enxerga mais uma piada de judeu nessa história perde a oportunidade de entender a dimensão da crise moral em que o Brasil está metido. A crise moral que tornou inviável o ideal da política, condenando-a a uma prática mercadeja comprometedora da paz social. Com governantes que não cumprem o que prometem em suas campanhas, com a maior cara de pau. Que não honram a palavra e ainda nos afrontam com a cega negação da dura realidade econômica e política em que afundaram o País. Tentam nos fazer de idiotas pela renitente insistência em nos impingir apenas o seu desejo do que a realidade seja. O recente pronunciamento da presidente Dilma, escondida atrás das câmeras da TV, causou a indignação de muitos cidadãos justamente pelo descompasso entre o seu relato e a realidade por que passa o País. Culpar uma discutível crise internacional pela concreta crise brasileira é, no mínimo, autoengano. Para muitos, pura mentira. Quando mesmo a pobre Bolívia, aqui do lado, cresceu mais que o Brasil no ano passado. Para este ano a Colômbia projeta um crescimento de pelo menos 4% do seu PIB, enquanto nós, se tudo der certo, ficaremos num zero absoluto de crescimento. Mas como esta dura realidade não vem ao caso para partidos de esquerda, mas sempre o seu próprio projeto de se manter no poder a qualquer custo, o que prevalece é sempre o símbolo e nunca a matéria real da vida e dos fatos. É sempre o expediente maroto da desqualificação argumentativa dos opositores reduzindo-os a elites brancas e golpistas, como se quase metade do eleitorado de novembro último, somados aos que engrossam os índices crescentes de impopularidade do governo segundo pesquisas recentes, não pudessem manifestar suas opiniões sobre outra visão da realidade. E retirar o crédito a um governo que não sabe o que é honra, contrato e dignidade. Pois a realidade é a primeira coisa que o cidadão sente ao despertar e se informar sobre o valor das coisas concretas, no dia a dia do custo de vida, e não no blá, blá, blá de governantes que não respeitam a própria palavra empenhada. Primeira realidade do mundo sensível, muito diferente da segunda realidade romântico-quixotesca, o velho vício da visão distópica esquerdista de santificar um ideal de homem e demonizar o mercado real. E seguir procurando chifres em cabeças de cavalos e dragões que cospem fogo no lugar de moinhos de vento. Tal qual a desfaçatez de pôr a culpa da crise energética na estiagem de São Pedro, e não nas escolhas deliberadas de políticas públicas equivocadas. Ignorar a gigantesca crise moral que vivemos chega a ser uma risível afronta. Ou simples má-fé, como a de querer ver nas denúncias das petrorroubalheiras um ataque à paradigmática Petrobrás. Na melhor das hipóteses, um deboche para com a cidadania. Na pior, mais uma vez, uma mentira delirante e inflamável de quem não se impõe respeito nem limites e acredita que apaga incêndio com mais gasolina. E é exatamente neste ponto que a fábula se encaixa no Brasil de hoje. E tem muito a ensinar a nossos tolos governantes. Os dois policiais que pararam Tio Bóris só conseguiam enxergar o que a estátua representava: um líder político carismático, não importando se deificado para uns ou demonizado para outros. Simples crenças, utópicas ou distópicas não importa, mas sempre acima dos cidadãos concretos levando a vida na precariedade de suas trocas cotidianas, nos limites tangíveis das praças e dos mercados. Símbolos ideológicos que, quando colocados acima dos valores morais ou mesmo dos valores das coisas, acabam por lhes tirar qualquer sombra de discernimento e bom senso. Quando a realidade para Tio Bóris era tão simplesmente um peso em ouro que permitiria, este sim, recomeçar sua vida. Quando o desafio para o Brasil de hoje é simplesmente resgatar os valores morais de sua cidadania e superar a doença infantil do voluntarismo esquerdista de seus governantes.*Jorge Maranhão é empreendedor social e dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão. E-meil: jorge@avozdocidadao.com.br 

Opinião por Jorge Maranhão