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Tolerância com envenenamento

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Por Redação
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À primeira vista pode até parecer auspiciosa a determinação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de que os carros saiam das fábricas emitindo 33% menos poluentes, em média, do que atualmente. Louve-se o órgão encarregado de fiscalizar e controlar as atividades e os produtos que tragam riscos ao meio ambiente, por definir padrões de emissão de poluentes para o País e por estabelecer limites máximos de geração de substâncias nocivas à saúde - como o monóxido de carbono - ou causadoras de aumento da temperatura global, como o óxido de nitrogênio. O problema é que medidas como essas causam espécie, primeiro, pelos excessivos prazos de carência para que entrem em vigor, e que são quase sempre prorrogados. Essa nova resolução do Conama só valerá a partir de janeiro de 2013, para os veículos a diesel, e a partir de janeiro de 2014, para os movidos a gasolina e álcool. Não serve de consolo o "antes tarde do que nunca", porque o "tarde" quase sempre vira "nunca". Em segundo lugar, desanima saber que mesmo daqui a três ou quatro anos, quando a poluição veicular no Brasil - nos carros novos apenas - será mais de um terço menor, ainda assim estará muito acima da que é tolerada, hoje, na Europa e nos Estados Unidos. Por que isso? Se os veículos fabricados no Brasil já alcançam alto padrão de qualidade - a ponto de serem tão bem absorvidos também no mercado externo - e se temos um programa de controle de poluentes por veículo, desde 1986, por que a população brasileira não merece proteção contra a poluição veicular do mesmo nível das dos países civilizados? Em 2002 o Conama baixou a Resolução nº 315, que determinava a redução de emissão de poluentes por veículos movidos a diesel a partir de janeiro de 2009. O prazo era de sete anos para que os veículos a diesel "se adaptassem" a uma redução das emissões de enxofre. Faltando poucos meses para se encerrar aquele prazo, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc - empossado havia pouco -, percebeu, espantado, que absolutamente nada havia sido feito para essa "adaptação". Ocorrera uma generalizada - e escandalosa, diríamos - omissão, por parte da Petrobrás, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), de tal sorte que o ministro se viu obrigado a esticar o prazo por mais três anos, deixando para 2012 a obrigação de os veículos a diesel envenenarem menos os habitantes das cidades, com a redução do enxofre. Quantos milhares de brasileiros não pagaram, e ainda pagarão, com a saúde por essa irresponsável omissão?A propósito, há mais de uma década as entidades de fiscalização veicular dos EUA haviam exigido a instalação de centenas de itens de segurança para autorizar a importação de carros fabricados no Brasil. A montadora daqui cumpriu escrupulosamente todas as exigências e obteve aprovação para comercializar determinado modelo de carro em território norte-americano. Como os componentes relacionados a tais itens eram fabricados aqui mesmo no Brasil - e o mesmo modelo vendido no mercado interno não os possuía -, o então presidente da Anfavea, em programa de entrevistas de televisão, foi indagado por que os mesmos carros vendidos no Brasil não tinham esse reforço de segurança, para diminuir nossos recordes mundiais de mortes em acidentes de trânsito. Ao que respondeu que no Brasil "não havia demanda" para itens de segurança nos carros, pois o que aqui se valoriza é a potência do motor e o "status". Sem dúvida, é um dos aspectos da crônica negligência brasileira essa excessiva tolerância com os prazos para que cessem ou se reduzam as emissões poluidoras, as devastações do meio ambiente e as agressões sistemáticas à saúde e à vida. Legisladores e órgãos públicos estabelecem prazos demasiadamente longos para que terminem as contaminações e os prejuízos à saúde das populações, alegando que os causadores de tais males precisam de tempo para "se adaptar" às novas regras saneadoras. Mas o que isso revela é frouxidão, por parte dos poderes públicos, no controle que deveriam exercer sobre os que, em suas atividades, exibem pouco respeito pelo precioso bem que é a vida.