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Trump desrespeita a ONU

Discurso do presidente dos EUA motivou risos entre chefes de Estado na assembleia-geral da ONU

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Por Redação
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Em agosto de 2014, Donald Trump, então apenas um empresário com pretensões políticas, escreveu no Twitter: “Nós (os norte-americanos) precisamos de um presidente que não seja objeto de risos do mundo inteiro. Nós precisamos de um líder genuíno, um gênio da estratégia e do triunfo. Respeito!”. Passados quatro anos, representantes dos países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) não contiveram os risos diante do delirante discurso feito pelo presidente Trump, ontem, na tribuna daquela entidade internacional - situação que traduz o quanto de respeito que o atual dirigente dos Estados Unidos angariou junto a seus colegas mundo afora.

A cena constrangedora se deu logo no início do discurso de Trump na Assembleia-Geral da ONU, quando o presidente norte-americano começou a falar dos grandes feitos de sua administração. “Em menos de dois anos, meu governo conquistou mais do que qualquer outro na história de nosso país” - declaração que bastou para despertar o comportamento sarcástico da audiência.

A reação pouco diplomática dos chefes de Estado ali presentes resultou não só de um natural desapreço pelas reiteradas bravatas de Trump, mas também do manifesto desprezo do presidente dos EUA pela própria ONU - reforçado pelo fato de que Trump, rompendo a tradição, teve a deselegância de chegar atrasado à assembleia e obrigar a organização a mudar a ordem dos discursos.

O discurso de Trump reforçou esse divórcio rancoroso entre os EUA e os organismos multilaterais. A audiência de chefes de Estado mal escondeu seu desconforto e sua desaprovação quando o presidente norte-americano declarou que “nós rejeitamos a ideologia do globalismo e abraçamos a doutrina do patriotismo”. 

A declaração foi dada no contexto de críticas de Trump às entidades de direito internacional, especialmente o Tribunal Penal Internacional, que julga indivíduos acusados de crimes de guerra ou genocídio e que os Estados Unidos não reconhecem, mas pode ser entendida como um ataque a qualquer organização que pressuponha alguma forma de respeito a leis e normas internacionais. Para Trump, como ele reafirmou da tribuna da ONU, “a América é governada pelos americanos” e “nós jamais entregaremos a soberania dos Estados Unidos a uma burocracia global que não foi eleita e não presta contas a ninguém”. Foi uma manifestação acintosamente desnecessária contra o multilateralismo feita no organismo multilateral por excelência.

Mais cedo, como a prever o constrangedor espetáculo que seria protagonizado por Trump, o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, advertiu em seu discurso que o mundo vive um surto de desconfiança generalizada. “Dentro dos países, as pessoas estão perdendo a fé no establishment político, a polarização está em alta e o populismo está em marcha. Entre os países, a cooperação ficou mais incerta e mais difícil”, lamentou Guterres, para advertir: “Os valores universais estão sendo erodidos. (...) O mundo está mais conectado, mas as sociedades estão se tornando cada vez mais fragmentadas. (...) O multilateralismo está sob ataque justamente no momento em que mais precisamos dele”.

Na mesma linha foi o presidente Michel Temer, que, em seu discurso, destacou que “os desafios à integridade da ordem internacional são muitos” e “vivemos tempos toldados por forças isolacionistas”, advertindo que “nada conseguiremos sem a diplomacia, sem o multilateralismo”. Mas é ocioso esperar que essas mensagens sensatas encontrem alguma resposta racional por parte de Trump. Ao contrário, tendem a servir de confirmação de que o mundo não é um lugar confiável para os interesses norte-americanos. 

Infelizmente não há motivo para risos quando Trump sobe à tribuna da ONU para confirmar que, sob sua Presidência, os EUA definitivamente estão fora da ordem multilateral - ordem que os próprios norte-americanos ajudaram a construir, depois da 2.ª Guerra, e que em grande medida colaborou para a prosperidade e a estabilidade do mundo.