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Um confronto anunciado

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Por Redação
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Já se tornou rotineira entre os movimentos sociais a resistência, como ato de provocação, à execução da reintegração de posse de propriedades urbanas ou rurais invadidas ilegalmente. Essa estratégia tem por objetivo provocar confrontos com a polícia, a fim de que os invasores possam ganhar espaço na mídia e apresentar-se como vítimas da “opressão das elites” e da violência dos governantes.

O script é conhecido. As áreas invadidas são, quase sempre, pertencentes ao poder público ou à massa falida de uma empresa – o que permite aos movimentos sociais, neste caso, alegar que a propriedade não estaria cumprindo sua “função social”. Consumada a invasão, os líderes improvisam abastecimento de água e energia, demarcam terrenos e os entregam a famílias com numerosos filhos – o que rende fotografias nos jornais. A partir daí, recorrem às mais variadas artimanhas processuais, interpondo recursos para adiar ao máximo a reintegração de posse. Com isso, ganham o tempo necessário não só para converter a invasão numa “comunidade”, como também para fazer reivindicações difíceis de serem atendidas pelo Judiciário e pelo Executivo – como a “regularização” da área invadida.

Quando a Justiça finalmente manda desocupar a propriedade, depois de longa tramitação processual, o roteiro prevê duas outras iniciativas. Primeiramente, os invasores convocam a imprensa para anunciar que resistirão à Polícia Militar (PM) e apresentar o chamado “exército do contrachoque”, integrado por mascarados armados com escudos, porretes com pregos e facões. Depois, acusam a Justiça de criar “clima de pânico” e a PM de ser o “braço armado do Estado a serviço de ricos”. Por fim, alegam que as crianças não têm para onde ir e afirmam que seus pais não são “invasores”, mas “ocupantes”. Pela legislação penal, que classificam como “burguesa”, invasão é crime. Na novilíngua dos movimentos sociais, “ocupação” é ato de protesto legítimo, fundado em princípios de justiça social.

O próximo confronto estava previsto para ocorrer esta semana num terreno de 500 mil metros quadrados situado em Sumaré, na região metropolitana de Campinas, mas foi adiado depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu liminar a pedido da Defensoria Pública, suspendendo a reintegração de posse. Invadida em 2012 por 2,5 mil famílias e conhecida como Vila Soma, a área pertence à Melhoramentos Agrícola Vifer e à massa falida da Soma Equipamentos Industriais. A retirada dos invasores “poderá catalisar conflitos latentes, ensejando violações aos direitos fundamentais”, disse o ministro Ricardo Lewandowski, depois de cobrar das autoridades municipais informações sobre planos de reassentamento das famílias e lembrar da desocupação da área do Pinheirinho, ocorrida em 2012, em São José dos Campos.

A menção a esse caso não é fortuita. Invadida em 2004, Pinheirinho tornou-se para ativistas sociais o melhor exemplo da estratégia de radicalização de movimentos reivindicatórios para provocar confrontos – quanto mais violentos, melhor – com os poderes constituídos. Aos insufladores da radicalização – que têm apoio de micropartidos de esquerda radical – interessa constranger e enfraquecer os governantes de turno, visando a obter vantagens que tanto podem ser um ganho eleitoral de curto prazo quanto uma conquista ideológica de longo prazo. São José dos Campos se localiza no Vale do Paraíba, reduto eleitoral do governador Geraldo Alckmin, que começou a carreira como prefeito de uma cidade vizinha. A área invadida pertencia a uma massa falida controlada pelo Grupo Naji Nahas. E a execução da reintegração de posse por ordem judicial levou entidades de direitos humanos a questionar a legitimidade da Justiça e a acusar a PM de violar garantias fundamentais.

A suspensão da reintegração de posse da Vila Soma, pelo STF, não é, obviamente, por tempo indefinido. Enquanto não for executada, os líderes da invasão terão na mídia o que tanto almejam – um espaço desproporcional à sua efetiva representatividade, graças ao qual poderão continuar afrontando a ordem jurídica.