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Um convite a quem não viu e não gostou

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Por Helena Chagas
4 min de leitura

O maior fiscal da TV Brasil é a sociedade, a quem ela deve prestar contas de cada ação, cada centavo gasto, cada segundo de programação no ar. A TV pública é uma instituição mantida com recursos públicos e criada para servir ao cidadão - e não aos governos, como dizem alguns. Contamos com instrumentos de controle social, como o Conselho Curador e a Ouvidoria, e estamos aprimorando outras ferramentas de interatividade. Críticas sobre conteúdo e forma dos programas são bem-vindas, pois nos ajudam a trilhar o caminho certo a partir dos primeiros passos: levar ao cidadão informação completa, plural e isenta, para que ele possa refletir sobre a realidade e ser o senhor de suas escolhas. Porém, 15 meses no ar registraram estranho fenômeno. A grande, vasta maioria das críticas e ataques à TV Brasil tem partido de quem claramente não está assistindo à TV Brasil: é a turma do não viu e não gostou. É minoritária (aviso aos navegantes: pelo Ibope, nossa audiência não é traço), mas influente e barulhenta. Esses não-telespectadores têm na TV pública brasileira uma espécie de Geni do controle remoto das televisões abertas. Explicar por que nos levaria a mais uma enfadonha discussão sobre radicalização política. Mais construtivo é tentar mostrar o que esse pessoal anda perdendo. Por exemplo, o Repórter Brasil (RB), manhã e noite, mostrando gente e lugares que o Brasil que não vai além de São Paulo, Rio e Brasília não tem muita chance de ver. A TV Aldeia, do Acre, deu-nos um furo mundial com os índios que nunca tiveram contato com os brancos. As TVs estrangeiras correram atrás de nossas imagens. A TV Antares, do Piauí, permitiu-nos dar a conhecer as mazelas da população de Alegria, que não tem cemitério e enterra seus mortos no quintal. A Redeminas acompanha para nós, passo a passo, o drama dos demitidos da crise financeira nas grandes empresas no interior. E o pessoal do Acre, do Piauí, do Tocantins (lá estamos em 101 cidades) e outros parecem estar gostando de se ver: o RB é veiculado hoje em rede em 21 Estados, por adesão espontânea de emissoras universitárias e estaduais do campo público. Elas não fazem parte da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), controladora da TV Brasil, mas perceberam que, com todas as precariedades técnicas e de transmissão, há algo de novo no ar. Quem não viu e não gostou está perdendo os vídeos do Outro Olhar do RB, experiência inédita de jornalismo participativo na TV aberta brasileira. Até agora, 120 produções da população - como a dos moradores da Favela do Vidigal (Rio) sobre sua realidade; a dos pescadores da Paraíba sobre os efeitos do aquecimento global; a dos moradores do único quilombo urbano do Brasil, em Porto Alegre; e as dos índios pataxó e tupinambá, online em suas aldeias. Também não viram matérias em formato de rap sobre o cotidiano dos moradores de rua de São Paulo, que renderam ao jornalismo da TV Brasil seu primeiro prêmio. E perderam explicações úteis e didáticas do Repórter Brasil Explica. O que são commodities? Como funciona essa coisa que chamam de Orçamento da União? O que é nepotismo? E pré-sal? Quem não sintonizou a TV Brasil também não viu o De lá pra cá, história e cultura em altíssimo astral com os jornalistas Ancelmo Góis e Vera Barroso, com entrevistados que vão de Caetano Veloso e Bibi Ferreira a Ruy Castro. Pena não terem visto também o Caminhos da Reportagem navegar toda a extensão do Rio Amazonas e mostrar como vivem as populações ribeirinhas. E nem ficarem sabendo que fomos a primeira emissora estrangeira a entrar no Tibete após o conflito dos monges. Perderam ainda a cobertura das eleições, das Paraolimpíadas na China, das festas juninas ao vivo. Nem viram os debates do 3 a 1, com participantes de alto nível e tempo para aprofundar assuntos de interesse da sociedade: violência, crise econômica, aborto, célula-tronco, emprego. Falta espaço para falar do que mais a turma não viu e não gostou. E também para comentar sandices de ex-funcionários demitidos por razões profissionais - um âncora e editor-chefe que se recusava a cumprir jornada maior do que cinco horas diárias e um diretor de programa que não gostou da introdução do cartão de ponto. Buscaram seus minutos de fama jogando mais umas pedrinhas na Geni, surfando na inusitada comoção que provocam demissões na TV Brasil, raramente registrada com outras emissoras. Mas a verdade se impõe. Da acusação de chapabranquismo, restou pormenorizado estudo aprovado pelo Conselho Curador em 12/8/2008, feito pelos conselheiros Cláudio Lembo, José Paulo Cavalcanti e Ima Vieira, concluindo ser o Repórter Brasil "jornalisticamente correto e politicamente isento". A ridícula ilação a respeito de supostas relações da diretora de Jornalismo da EBC e do presidente da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) com empresa de comunicação será demolida em interpelação judicial: tal empresa não tem nenhum contrato, relação profissional ou comercial com a EBC nem com os profissionais citados. Fizemos, sim, ótima entrevista com o presidente Lula - tão boa e cheia de notícias que toda a mídia usou e repercutiu. Assim como no mesmo espaço do 3 a 1 entrevistamos Fernando Henrique Cardoso, que, elegantemente, inaugurou nosso estúdio em São Paulo. Mantemos também produtiva parceria com a TV Cultura de São Paulo, de quem exibimos o Roda Viva. É que não dividimos o mundo entre tucanos e petistas, chavistas e antichavistas, governistas e oposicionistas. Quem assiste à TV Brasil já percebeu que todos os que têm algo a dizer de interesse do cidadão brasileiro têm espaço nos noticiários e programas, sempre abertos ao confronto equilibrado de ideias. Para quem não viu e não gostou resta o convite: critique à vontade, mas antes veja a TV Brasil. Helena Chagas é diretora de Jornalismo da TV Brasil