Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Um desafio e tanto

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Por Redação
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O crescimento da frota de veículos do País não tem sido acompanhado, como deveria, pela expansão do sistema viário, pela melhora do transporte coletivo, pelas condições de segurança nas cidades e nas estradas e pela formação adequada dos motoristas. Esse descompasso é a principal causa tanto do elevado número de acidentes como dos enormes congestionamentos. Tudo isso mantém o Brasil como um dos campeões mundiais de mortos e feridos no trânsito e faz com que milhões de pessoas que viajam de carro e ônibus percam um tempo enorme para ir e voltar do trabalho diariamente. Reportagem do jornal O Globo, com base em dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), mostra que nos últimos dez anos a frota mais do que dobrou, chegando a 80 milhões. Ela aumentou 123% - uma média de 12 mil veículos por dia -, enquanto o crescimento da população foi de 11%. O número de carros continua sendo maior, mas o de motocicletas cresceu muito mais naquele período - 256% -, o que se explica pelo seu preço mais barato e sua agilidade. Em dez Estados já existem mais motos do que carros circulando. E nove deles ficam nas Regiões Norte e Nordeste - Acre, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Ceará, Maranhão, Paraíba e Piauí. O décimo é Mato Grosso. O sistema viário das grandes cidades, que concentram o grosso da frota, ficou muito aquém das necessidades criadas por sua rápida expansão. Isso é particularmente grave nas mais pobres, situadas nas Regiões Norte e Nordeste, mas mesmo em São Paulo o sistema viário está longe de seguir o aumento vertiginoso do número de carros e motos que entram em circulação diariamente.Alguns elementos explicam por que a situação se agravou tanto nas últimas décadas. De um lado, temos incentivos ao uso do carro, tais como as facilidades de financiamento e a redução de tributos oferecidas nos últimos anos; e de outro, uma queda nos investimentos federais em infraestrutura de transporte desde a década de 1970. Embora eles tenham voltado a crescer a partir da década de 2000, chegando a 0,29% do PIB em 2012, ainda ficam bem abaixo do porcentual de 1976, que foi de 1,84%. Quanto ao esforço de Estados e municípios para ampliar e melhorar o transporte coletivo - essencial para convencer os donos de carros a não utilizá-los para seus deslocamentos diários -, ele tem ficado bem abaixo das necessidades. Exemplo disso são os investimentos em metrô e trens de subúrbio. Mesmo na região metropolitana de São Paulo, onde o governo estadual tem aplicado somas consideráveis nesses dois sistemas, suas deficiências são notórias. Se ganham em rapidez e pontualidade, perdem na superlotação - vêm funcionando no limite de sua capacidade - e no tamanho ainda acanhado da rede. O serviço de ônibus é o único meio de transporte coletivo que pode ser melhorado a curto prazo. Mas isso não é feito, porque ele é dominado nas principais cidades por um grupo de empresas que já ganham muito bem e não têm interesse em mudanças. E não existe prefeito que se disponha a enfrentá-las.As duas principais consequências de tudo isso são os congestionamentos cada vez maiores, que travam o trânsito das grandes cidades, e o elevado número de mortos em acidente, que em 2011 - último com dados consolidados do Ministério da Saúde - chegou a 43.256, superior em 31% ao de 2003. O número de internações hospitalares de feridos foi de 112.264, apenas entre janeiro e agosto de 2013, 55% superior ao mesmo período de 2003.Para isso colaboram muito também, segundo Dirceu Rodrigues Alves Júnior, diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), as deficiências da formação dos motoristas e da fiscalização do trânsito, tanto nas cidades como nas estradas. A seu ver, os motoristas brasileiros não aprendem a dirigir em condições adversas, que são frequentes, mas "só a fazer o carro andar".Está claro que cuidar dos vários aspectos do problema levantado pela frota que chegou a 80 milhões de veículos e continua a crescer só será possível com um esforço conjunto - nada fácil - das várias esferas de governo.