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O jornalista Rolf Kuntz escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Um desafio para o ministro nº 40

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Atualização:

O juízo final vai criar um grave problema para os ministros da área econômica. Por falta de futuro, eles ficarão impedidos de prever - ou de prometer - resultados melhores para o ano seguinte, como fez ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Por enquanto eles têm essa rota de fuga, especialmente valiosa quando o cenário de curto prazo parece muito inseguro. Mesmo diante do resultado aparentemente bom do segundo trimestre, o ministro evitou projeções para 2013 e anunciou 2014 como um ano "mais promissor". Que significa promissor? A resposta será especialmente importante para o trabalho do ministro número 40, principal ajudante da presidente Dilma Rousseff, seu marqueteiro eleitoral e grande planejador de ações políticas de impacto.O ministro da Fazenda recusou indicar números, mas talvez possam servir como referência de um ano "promissor" as estimativas incluídas na proposta de lei orçamentária para 2014:4% de expansão para o produto interno bruto (PIB) e inflação de 5%, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado na política de metas do Banco Central (BC).Não são de fato previsões, disse Mantega ao apresentar o projeto, na quinta-feira, como se os técnicos tivessem tomado quaisquer hipóteses mais ou menos críveis para calcular a receita e a despesa do próximo exercício. Pode parecer meio estranho, mas só um pouco. Afinal, nenhuma esquisitice deste governo causa mais muita estranheza. Para o marqueteiro presidencial, no entanto, esses números poderão ser muito relevantes.Só para um exercício muito simples, admita-se para este ano um crescimento econômico de 3% - por enquanto, uma hipótese otimista. Se o PIB aumentar 4% em 2014, a expansão acumulada nos quatro anos de mandato da presidente Dilma Rousseff será de apenas 11%. A produção de bens e serviços terá crescido a uma taxa média inferior a 3% ao ano. Se a perspectiva de um desempenho ainda medíocre neste ano e no próximo se confirmar, o mercado de emprego ficará provavelmente mais fraco. A expansão do salário real, já menor em 2013, será prejudicada. Os empresários estarão menos dispostos a contratar e será mais difícil compensar com aumentos a perda salarial causada pela inflação.Para estimular a produção o governo poderá usar novas doses de benefícios fiscais, cortando tributos de setores selecionados. Nesse caso, insistirá numa linha de ação fracassada. Incentivos desse tipo custam caro ao governo e só produzem efeitos localizados. Nem a médio prazo o aumento da produção compensa os buracos abertos na arrecadação. Mas o governo parece ainda acreditar nas virtudes da política adotada nos últimos anos. Os fatos desmentem essa crença, mas a teimosia tem sido muito mais forte que os fatos.Dois outros fatores ainda poderão impulsionar o crescimento e, mais que isso, criar condições para uma expansão sustentável. Em primeiro lugar, novas concessões para infraestrutura poderão movimentar o setor da construção e produzir bons efeitos a curto e a médio prazos, a começar pela multiplicação de empregos. Os ganhos de eficiência econômica serão benefícios mais duradouros e de maior alcance. O governo tem apostado nessas possibilidades, mas foi incapaz, até agora, de iniciar a execução do programa, anunciado festivamente há um ano.Se quiser tratar seriamente do assunto, a administração federal deverá ser mais pragmático na elaboração dos editais, pôr de lado preconceitos e abandonar a ideia mal concebida do trem-bala, um projeto caríssimo e nada prioritário neste momento. Muitíssimo mais importante, nesta altura, é cuidar das condições do transporte de carga, pensar nos sistemas multimodais e dar um jeito nos aeroportos ineficientes e congestionados.O reajuste cambial poderá ser outro fator positivo. Ninguém sabe qual será o novo patamar do câmbio, depois de superada a atual instabilidade, mas o produtor nacional certamente ganhará algum poder de competição com o real mais barato. Será um erro enorme, no entanto, fazer do câmbio o fator decisivo de competitividade, como já ocorreu em outras épocas. Quem entra nesse jogo é condenado ao fracasso, até porque o estímulo cambial tende a tornar-se um vício. Os brasileiros deveriam conhecer muito bem a desastrosa sequência formada pela depreciação cambial e pela inflação.Não há competitividade real e duradoura sem muito investimento. No segundo trimestre, o valor investido em máquinas, equipamentos, construção civil e obras de infraestrutura foi 3,6% maior que o dos primeiros três meses do ano e 9% superior ao de igual período de 2012. Mas esse crescimento ocorreu sobre uma base muito baixa. No trimestre, a relação entre investimento e PIB ficou em 18,6%. Um ano antes estava em 17,9%. Será preciso um esforço muito grande e muito sério para se chegar a uns 24% ou 25%, nível já superado, até com folga, por vários latino-americanos.Além de investir mais em ativos físicos, o País precisará cuidar muito mais seriamente da formação de pessoal e da inovação tecnológica. Sem isso seu potencial de crescimento continuará muito limitado. Esse potencial é hoje estimado na faixa de 2% a 3% por economistas de muito boa reputação. É difícil uma estimativa precisa, mas os limites brasileiros, como tem mostrado a experiência, são muito estreitos, especialmente no setor industrial. Diante da baixa capacidade de oferta, qualquer aumento importante da demanda pode resultar em mais inflação e em deterioração das contas externas - fenômenos muito visíveis hoje, mesmo com modesto crescimento econômico. A solução de problemas desse tipo vai muito além do marketing eleitoral.ROLF KUNTZ É JORNALISTA

Opinião por Rolf Kuntz

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