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Por Redação
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A polícia paulista apreendeu na última terça-feira, pela quarta vez, um adolescente de 16 anos, conhecido como Didi, que se apresenta como líder do bando de pelo menos 15 meliantes que desde fevereiro promoveu pelo menos 12 arrastões em restaurantes da cidade. Essa nova onda de assaltos, concentrada em estabelecimentos frequentados por pessoas de bom poder aquisitivo, tem agitado o noticiário policial e não chega a ser surpreendente, na medida em que a violência se tornou parte do cotidiano urbano. O que é surpreendente, chocante e injustificável, no caso desses arrastões, é a notícia de que o tal "de menor" que se apresenta como chefão do bando já foi "apreendido" pela polícia, aparentemente por "ato infracional" da mesma natureza três ou quatro vezes. A quinta, pelo visto, será mera questão de tempo. Esse candidato a gênio precoce do mal, momentaneamente fora de circulação, tem toda a liberdade para planejar e executar os atos criminosos, ou melhor, infracionais, que elegeu como meio de vida porque tem o amparo da lei para fazê-lo. Ou, pelo menos, de uma interpretação questionável da lei. É, de qualquer modo, uma aberração que o aparelho do Estado se revele incapaz de pôr cobro - não é um problema apenas policial - à ação do adolescente que ele mesmo aponta como responsável por atentados ao patrimônio, à integridade física e, eventualmente - pois felizmente não ocorreu o pior -, à vida dos cidadãos. Os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, de acordo com o que está expresso na Constituição e, nos mesmos termos, no Código Penal. Esse é um princípio que visa a proteger os direitos das crianças e adolescentes e está consolidado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em vigência no Brasil desde 1990. Considerados em "sua peculiar condição de pessoas em desenvolvimento", em termos práticos os menores de 18 anos não podem ser acusados de crimes, apenas de cometer atos infracionais, pelos quais não podem ser presos, mas apenas apreendidos. Estão, em suma, fora do alcance da Justiça Penal. São julgados de acordo com as normas estabelecidas pelo ECA, que preveem, quando necessária, a aplicação de medidas socioeducativas. Há muita controvérsia, em todo o mundo, não sobre o fato de que crianças e adolescentes devem se beneficiar de direitos especiais, mas em torno das medidas corretivas aplicáveis nos casos de comprovado desvio de conduta e também da definição da faixa etária a ser coberta pela excepcionalidade. No Brasil, para alguns efeitos civis, 21 anos é a idade mínima. O direito de voto é facultativo para adolescentes com 16 anos completos. Mas as opiniões se dividem quando se trata da maioridade penal. Uma forte corrente defende o rebaixamento da idade mínima para 16, argumentando com o fato de que, no mundo moderno, nessa faixa os jovens já teriam deixado de ser "pessoas em desenvolvimento" e deveriam, portanto, responder plenamente por seus atos perante a sociedade. Outro argumento é exatamente o de que hoje a inimputabilidade penal de jovens de menos de 18 anos tem sido explorada em benefício próprio por organizações criminosas. Há, contudo, ponderáveis correntes que se alinham na defesa do atual status.Essa controvérsia deve ser resolvida nos foros competentes, mas não elide o fato de que em casos específicos, como o que se discute agora, a aplicação desavisada das salvaguardas constitucionais e penais em favor de adolescentes assumida e comprovadamente comprometidos com o mundo do crime é uma distorção gritante. Objetivamente: faz sentido um jovem de 16 anos, com extenso histórico de ações, vá lá, infracionais, apreendido já em quatro oportunidades, ser logo em seguida devolvido às ruas, beneficiando-se de uma excepcionalidade que se transforma em atentado aos direitos do cidadão comum de viver em segurança? Alguma coisa, é óbvio, não está funcionando direito. É impossível que não haja remédios legais, eficientes medidas socioeducativas capazes de corrigir essa distorção. E juízes capazes de aplicá-los.