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Um escândalo continuado

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Por Redação
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O que os políticos desejam a opinião pública teme - o esquecimento, por fadiga e "decurso de prazo", das denúncias que se acumularam nos últimos meses, com uma intensidade sem precedentes, na soleira do Senado Federal. Mas, se a impunidade dos patrocinadores de irregularidades de toda sorte na instituição confirmar as expectativas de que, mais uma vez, as coisas ficarão por isso mesmo, não será pelo esgotamento de revelações comprometedoras. Lamentavelmente, é como se bastasse arranhar a superfície das estruturas administrativas do Senado para topar com novas evidências de ilícitos. Estes podem não ser recentes, mas continuam a produzir efeitos - materiais e morais. O exemplo da hora são os resultados de uma investigação interna sobre nomeações ilegais na agigantada gráfica da Casa, com seus 1.100 empregados e orçamento anual de R$ 30 milhões (sem incluir a folha de pagamento), confirmando suspeitas levantadas pelo líder tucano Arthur Virgílio, no começo do mês. Para variar, um dos protagonistas da história, que remonta a 1992, é o notório Agaciel Maia, à época diretor executivo do chamado Centro Gráfico. Três anos depois, apadrinhado por José Sarney, no primeiro dos seus três mandatos na presidência do Senado, ele assumiria a direção-geral do Senado. Só em março último, como se sabe, teve de abrir mão do cargo no qual se transformou em um dos mais poderosos burocratas da história do Congresso. A maracutaia consistiu em transformar em servidores efetivos 82 estagiários que trabalhavam na gráfica a partir de 1984. Por um "vacilo administrativo", na preciosa expressão de um deles, falando ao Estado sob a condição de anonimato, todos haviam ficado de fora do apinhado trem da alegria que naquele ano efetivou 1,3 mil funcionários da Casa, por um ato do seu então presidente Moacir Dalla (ES). (Daí a dois anos, o benefício contemplaria 60 outros contratados sem concurso, entre eles a futura senadora e governadora Roseana Sarney. Até hoje tramita na Justiça um processo sobre o caso.) A efetivação dos estagiários, acertada entre Agaciel e o presidente do Senado naquele ano de 1992, o atual deputado Mauro Benevides, do PMDB do Ceará, foi uma tripla lambança. Primeiro, porque se baseou numa deliberada distorção de um parecer da Comissão de Constituição e Justiça que limitava ao período 1985-1992, para efeitos financeiros, o vínculo empregatício dos estagiários. Agaciel preferiu entender que o elo se manteria depois dessa data-limite. Segundo, porque foi um ato secreto decerto precursor dos 663 que trariam as digitais de Agaciel: tudo que existe a respeito é um ofício de Benevides a ele autorizando a efetivação. (Benevides diz não se lembrar do episódio. O ofício foi localizado pelo repórter Leandro Colon nas profundezas dos arquivos do Senado.) Em terceiro lugar e mais importante do que tudo, o trem da alegria na gráfica, graças ao qual os estagiários se tornaram "assistentes industriais gráficos", rodou por cima da exigência, explícita na Constituição de 1988, de concurso público para o preenchimento de cargos no serviço público. A reconstituição desses detalhes importa na medida em que lança luz sobre os truques, as manobras e os arranjos nos subterrâneos das instituições para driblar as leis e malbaratar o dinheiro do contribuinte. A gráfica do Senado, que continuou a ser um feudo de Agaciel mesmo depois que outro passou a ser o seu diretor, parece um espaço privilegiado para fraudes. Mediante suspeito contrato de terceirização, conduzido por aliados dele, por exemplo, uma firma do interior da Bahia recebe R$ 7 milhões por ano para fornecer ao setor 129 funcionários. "O problema de Agaciel", resume o primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes, "é todo o conjunto da obra." Mas o conjunto das esbórnias do Senado supera até mesmo a sua desenvolta propensão para o ramo. Poucos brasileiros decerto se deram ao trabalho de ler as 40 medidas que Sarney enumerou em seu discurso da semana passada para "o saneamento dos graves problemas de natureza ética e legal" da Casa. Trata-se, porém, de uma leitura instrutiva. Pois esses problemas - com os quais ele nega ter parentesco - constituem um rol de roupa suja como raramente se viu no Legislativo brasileiro. E quanto mais se procura, tanto mais se acha.