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Opinião|Um leilão honesto, em vez de uma lei suspeita

Nova Lei Geral das Telecomunicações é suspeita de ajudar teles e prejudicar pobres

Atualização:

No último dia da legislatura, a duas horas do fim do expediente, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), acatou um requerimento da minoria oposicionista para suspender o envio da nova Lei Geral das Telecomunicações, <IP9,0,0>aprovada em votação terminativa na comissão</IP>, à sanção do presidente. A intenção do grupo, liderado por Roberto Requião (PMDB-PR) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), era suspender essa sanção até que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidisse sobre a sua solicitação de debater o relevante texto e pô-lo em votação no plenário da Casa.

Durante o recesso do Legislativo, a presidente do STF, Cármen Lúcia, de plantão, exigiu do chefe da Mesa da dita Câmara Alta explicações fundamentadas sobre a necessidade de tanta pressa na aprovação de um documento legal com tantas implicações no caixa de grandes empresas e na vida da população. O Senado pediu a devolução do documento, alegando erros técnicos, mas, depois, avisou, por ofício, à Presidência que tinha mudado de ideia. Na semana passada a lei-relâmpago (Blitzrecht, em alemão) ainda repousava no gabinete presidencial. Só que na sexta-feira, 3 de fevereiro, o ministro do STF Luís Roberto Barroso concedeu a liminar pedida pela oposição e impediu a sanção de Michel Temer até que o pedido da oposição seja julgado pelo plenário.

Por que o cuidado com as modificações propostas pelo ministro das Comunicações, Gilberto Kassab, e defendidas com denodo pelo líder do PMDB no Congresso, Romero Jucá (“Caju” nas delações dos 77 da Odebrecht), pelo líder de seu partido no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o “Justiça”, e pelo presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), o “Índio”? É que as novas regras preveem mudanças radicais, caso da mudança de concessão (da lavra da gestão de Fernando Henrique) para autorização, o que implica a substituição do regime público pelo privado de telefonia. E essa não é uma alteração meramente semântica, mas patrimonial.

Acontece que, passando a permissionária (que se beneficia da autorização), a empresa que tiver comprado uma concessionária (que detinha a concessão) não disporia dos bens para vender, mas manteria o patrimônio para buscar créditos, sob condição de usar o empréstimo para investir. Antes de ser informado exatamente sobre o valor total de cabos, estações e outros bens que pertencem ao cidadão – calculado em R$ 100 bilhões –, o governo se dispõe, na prática, a doá-los às teles. Sem levar em conta dados da realidade, caso da dívida confessada pela Oi de R$ 65 bilhões. Como uma empresa que a adquirir com tal passivo convenceria credores privados de que ela faria investimentos de valor tão alto?

De fato, concessionárias como a Oi valorizaram esse patrimônio de forma substancial ao substituírem, por exemplo, seus fios de cobre de par trançado por fibras óticas. Mas o especialista Marcos Dantas, membro do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), lembrou, em artigo publicado sexta-feira (3/2/2017) no Valor Econômico, que “a concessionária está obrigada a manter e valorizar o ativo recebido”. Este, segundo o professor da UFRJ, não é, contudo, o caso da permissionária, pois “uma operadora em regime privado não pode ser contratualmente obrigada a assumir esses compromissos”.

No texto citado, intitulado Um Brasil sem dados nem imagem, talvez sem voz, o técnico advertiu para a possibilidade de os usuários de telefones fixos, que predominam em grande (e menos favorecida) parte do território nacional, sejam prejudicados se a concessionária que vier a comprar a Oi, amplamente majoritária entre eles, não se dispuser a substituí-la em áreas deficitárias, que esta é obrigada por contrato a atender. E pior: tem-se como certo que essa mesma tele está para ter perdoados, pela Anatel, R$ 20 bilhões em multas aplicadas por serviços mal prestados à clientela.

Essas vantagens fabulosas e inexplicáveis a empresas precedem o desmantelo lulodilmopetista. A privatização do sistema Telebrás foi feita no governo Fernando Henrique e até hoje nunca foi explicado por que na lei que a promoveu não foi estabelecido um princípio básico desse tipo de negócio: a participação no consórcio concorrente à concessão de pelo menos um sócio do ramo – que, vamos convir, não pode ser comparado a outros com menos exigência de tecnologia. Os vencedores da concorrência foram a empreiteira Andrade Gutierrez, o dono do Shopping Center Iguatemi, Carlos Jereissati, e um fundo de pensão. Por esse motivo foi apelidado de telegangue.

Com Lula no poder, o BNDES foi instado a investir dinheiro público na fusão da Telemar com a Brasil Telecom para formar a supertele verde-amarela, que virou a Oi. A Lei Geral das Telecomunicações teve de ser alterada para o negócio ser feito e Carlos Jereissati e Sérgio Andrade, amigos de Lula, foram incluídos na seleção nacional de empreendedores brasileiros que se tornariam “campeões nacionais” – como Eike Batista, José Carlos Bumlai e os irmãos Batista de Anápolis. Os dois primeiros estão na cadeia e a família goiana que hoje domina o mercado mundial de produção de proteína animal também tem seus membros citados ao lado de executivos da empreiteira de origem mineira em processos que dizem respeito a escândalos da Petrobrás e de fundos de pensão.

A lei que agora Kassab, que foi ministro de Dilma, quer modificar já tinha merecido a denominação de Telezoca, por lembrar a famigerada Lei Terezoca, assinada por Getúlio Vargas exclusivamente para permitir que o barão da comunicação Assis Chateaubriand pudesse assumir o pátrio poder sobre uma filha fora do casamento, Tereza Acuña. O caso atual, contudo, parece ter solução mais simples. Por que, em vez de aprovar uma lei-relâmpago na calada da noite, o governo não leiloa as concessionárias que não conseguirem cumprir seus contratos?

* JORNALISTA, POETA E ESCRITOR