23 de agosto de 2013 | 02h16
As divergências vão muito além dos números. Embora os rebeldes argumentem que Assad aproveitou a presença dos observadores da ONU - hospedados, por sinal, em um hotel a 15 minutos de carro do lugar que teria sido alvejado - para desafiar a comunidade internacional, como se lhes dissesse "pouco me importa", soa mais plausível a réplica do regime, endossada por seus aliados russos, para os quais foi a oposição que perpetrou o massacre, para tirar proveito da estada dos peritos estrangeiros, o que levaria o Conselho de Segurança (CS) a estigmatizar o governo de Damasco. Com isso, ficariam ainda mais incertas as chances de se realizar a planejada conferência de Genebra em que as partes, com apoio externo, dariam os primeiros passos rumo a uma solução negociada para o medonho conflito em que se transformaram os primeiros choques de rua no país, em março de 2011.
Em sessão de emergência, o CS adotou uma atitude circunspecta diante da denúncia, pedindo antes de mais nada que os enviados da ONU possam apurar também essa abominação, antes de apontar o dedo para quaisquer de seus possíveis perpetradores. "A preocupação geral", diz a presidente de turno do colegiado, a argentina María Cristina Perceval, "é ter claro o que aconteceu e acompanhar cuidadosamente a situação." Uma coisa parece fora de dúvida: nem Assad nem os insurgentes, muitos dos quais - a começar dos jihadistas da Frente al-Nusra - tratam os civis suspeitos de simpatias pelo regime com a mesma selvageria que os atinge, se guardariam de apontar para o inimigo as armas mais cruéis a que tenham acesso. A Síria não subscreveu a convenção multilateral contra as armas químicas.
O ditador, que já pode tê-las usado, levou meses até receber os inspetores da ONU. Mas não tornaria, logo agora, a recorrer aos seus estoques de gases letais. A situação é tão nebulosa que o próprio chefe da equipe das Nações Unidas na Síria, o sueco Ake Sellsttrom, considerou "suspeito" o elevado número de mortos citado nos relatos da oposição. Enquanto o episódio não for apurado por fontes independentes, ficará no ar, quem sabe, até mesmo a hipótese de que nenhuma arma proibida foi lançada nos arredores de Damasco. Ao informar que pelo menos 130 pessoas morreram ali na quarta-feira, o Observatório Sírio de Direitos Humanos, baseado em Londres - principal fonte dos números publicados sobre a carnificina no país -, não afirmou expressamente que foram vítimas do sarin.
Os serviços israelenses de inteligência asseguram que armas químicas foram usadas - mas, ao contrário de outras vezes, não responsabilizaram Assad. O presidente dos EUA, Barack Obama, deve torcer em segredo para que não se comprove a culpa do regime. Há um ano ele disse que o uso de armamento químico significaria que Damasco cruzou uma "linha vermelha", obrigando-o a mudar a sua "equação". Ou seja, os EUA seriam compelidos a intervir de alguma forma na guerra síria para precipitar, a quente, a queda de Assad, com o risco imenso de levar o país ao caos, em um conflito entre facções rebeldes igualmente inapetentes. Melhor fazê-lo a frio, mediante entendimentos entre a oposição que não se exilou e o partido do regime, o Baath. Em 2014, afinal, termina formalmente o "mandato" do ditador.
Encontrou algum erro? Entre em contato