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Opinião|Um novo contexto na relação Brasil-EUA

Atualização:

Três fatos novos alteraram, potencialmente para melhor, o ambiente para uma reaproximação entre Washington e Brasília, esperada no segundo mandato de Dilma Rousseff. A expectativa americana nesse sentido será reiterada pela presença do vice-presidente Joe Biden na segunda posse de Dilma - o mais alto nível de representação dos Estados Unidos no evento inaugural de governos no Brasil em um quarto de século. Dois dos três novos fatos foram gerados no Brasil. Brasília deixou de insistir publicamente num pedido de desculpas de Washington pela espionagem da National Security Agency (NSA), que envolveu a Petrobrás, entre outros, depois que a Operação Lava Jato expôs os crimes perpetrados por funcionários e executivos brasileiros contra a estatal. O episódio, que fez a líder brasileira cancelar visita de Estado aos EUA em 2013, parece, assim, superado. Multinacional que opera nos EUA, a Petrobrás enfrenta hoje inquéritos de duas agências federais americanas sobre possíveis desdobramentos dos crimes revelados pelas investigações no Brasil. Processos iniciados por investidores que se veem lesados pela roubalheira, como a cidade de Providence, em Rhode Island, devem multiplicar-se. A reputação de integridade pessoal de Dilma e o apoio explícito que ela vem dando à atuação da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça Federal no petrolão são bem-vistos em Washington. Indicam a disposição da presidente de não deixar que a relação bilateral seja contaminada pelas investigações do escândalo nos EUA, que podem ter desfechos muito ruins para a Petrobrás e seus executivos, independentemente da vontade da Casa Branca e do Planalto. A correção de curso que a presidente reeleita anunciou na economia ao nomear Joaquim Levy para a Fazenda também é aplaudida nos EUA, supondo-se que será realizada. O futuro ministro tem o que faltou ao atual: respeito profissional e trânsito em Washington e Wall Street. Recomendações que Levy fez há dez anos, quando comandava a Secretaria do Tesouro, ,juntamente com o então subsecretário international do Tesouro, John Taylor, para ampliar a cooperação econômica bilateral e estimular o crescimento foram endossadas em 2005 pelo Conselho Empresarial Brasil-EUA, mas ficaram no papel. Trata-se, agora, de efetivá-las, de forma que contribuam para o reequilíbrio das finanças públicas e a recuperação da credibilidade do governo, necessários para encontrar novamente o rumo do crescimento sustentável. Não se trata de preferência americana pela ortodoxia econômica, como julgam alguns, mas da pragmática constatação de que o Brasil superará os pibinhos somente se melhorar a produtividade e a competitividade da economia. Isso passa por maior abertura comercial, abandono de uma política industrial danosa, que o País não tem como financiar, e do estatismo recente que viralizou a antiga praga nacional da apropriação indébita de recursos públicos pela malandragem engravatada. A histórica reaproximação dos EUA e Cuba, anunciada pelos presidentes Barack Obama e Raúl Castro no dia 17 passado, é outro fato novo que abre espaço para um diálogo mais proveitoso entre Washington e Brasília. A normalização Washington-Havana cria uma nova dinâmica nas relações continentais, que, entre outros efeitos, fará encolher o antiamericanismo alimentado há mais de meio século no Brasil e na região pela há muito fracassada política americana de isolamento de Cuba. Tendem a esvaziar-se, assim, argumentos de forças políticas que veem nos EUA a causa de todos os males que afligem a América Latina e o mundo. Perdem também altos funcionários brasileiros de inclinação bolivariana envolvidos nas relações regionais que, correndo atrás dos fatos, reivindicaram publicamente crédito que não lhes é devido pela volta do bom senso às relações Washington-Havana. Tendo tomado a decisão política de restabelecer laços, EUA e Cuba precisarão cada vez menos de intermediários. Quando deles necessitarem, recorrerão a amigos em quem ambos confiam, como o Vaticano e o Canadá, que acabam de dar um show de diplomacia de resultados. A crise existencial que a queda dos preços do petróleo alimenta na Venezuela chavista representa uma oportunidade e um desafio para a diplomacia brasileira, no novo contexto das relações regionais. Como se sabe, as dificuldades crescentes do regime caraquenho e a redução inevitável de seu apoio econômico a Havana influenciaram fortemente a decisão do regime cubano de apostar na normalização gradual das relações com os EUA. As más notícias esperadas da Venezuela supostamente farão Brasília concentrar-se na promoção de seus interesses no país vizinho, a começar pela estabilidade política. Isso requer uma participação crível na busca de acordos que promovam a reconciliação dos venezuelanos. Trata-se de fazer , na desacreditada diplomacia nacional, mudança de rumo equivalente à anunciada na economia. Considerados em conjunto, as ramificações internacionais do petrolão, a correção de rumo da política econômica no segundo mandato de Dilma e o novo enredo das relações EUA-Cuba são um convite a uma relação mais produtiva entre Brasília e Washington nos menos de dois anos que restam a Obama na Casa Branca. O teste será a negociação de uma agenda bilateral substantiva, capaz de justificar o reagendamento da visita de Dilma a Washington. O tempo é curto e o critério que orientará Washington a esse respeito é agora mais exigente. Trata-se, segundo um bem situado funcionário americano, "de saber o que Obama ganhará em receber Dilma" com todas as honras. A mensagem será diplomaticamente reafirmada por Biden, que vem acompanhado pelo diretor do Conselho de Segurança da Casa Branca para o Hemisfério Ocidental, Ricardo Zuniga, diplomata que já serviu em Brasília e foi um dos arquitetos do reatamento entre Washington e Havana. JORNALISTA, É DIRETOR DO BRAZIL INSTITUTE NO WOODROW WILSON INTERNACIONAL CENTER FOR SCHOLARS

Opinião por Paulo Sotero