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Um novo rito para as MPs

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Por Redação
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Todo governo necessita de instrumentos legislativos para dar conta de situações excepcionais ou de matérias de suma gravidade a exigir pronta resposta do poder público. O problema raramente se coloca sob o parlamentarismo. Nesse sistema, ao contrário do que se imagina, o Executivo é hegemônico pelo simples fato de ser, ele próprio, resultante da conformação partidária do Congresso determinada pelas urnas. De posse da maioria das cadeiras, o primeiro-ministro impõe naturalmente a sua vontade, a menos que contrarie de tal forma o seu partido a ponto de ser destituído por um voto de desconfiança - uma rara eventualidade. Já no presidencialismo, os governos de turno não detêm necessariamente o controle do Legislativo. Nos Estados Unidos, por exemplo, as eleições de meio de mandato do ano passado privaram o presidente Barack Obama da maioria na Câmara dos Representantes, o que o obrigou, como se viu há pouco, a capitular perante a oposição na questão do limite do teto da dívida pública. Por isso mesmo, o sistema dá ao titular do Executivo a prerrogativa de baixar decretos que produzam efeitos imediatos, sobre assuntos que não podem esperar a tramitação parlamentar. Ainda no caso americano, a pretexto de defender o país do terrorismo, o governo Bush expandiu o poder da Casa Branca à revelia do Capitólio a níveis perigosamente próximos dos de um regime autoritário.No Brasil, a Constituição de 1988, marcada pela experiência histórica da ditadura militar extinta havia apenas três anos, pendeu para a descentralização das decisões, inibindo a tendência natural do Executivo de concentrar poderes e de depender o menos possível dos humores dos políticos. Nem por isso a Carta deixou de prover o Planalto de meios para agir com relativa autonomia em assuntos de "relevância e urgência", como consta do texto que criou as medidas provisórias (MP), assim chamadas por produzir efeitos imediatos, porém sujeitas à aprovação, mais adiante, do Legislativo - quando consideradas admissíveis. Na prática, o instituto foi degradado por sucessivos governos em um mecanismo de submissão do Congresso equivalente aos das democracias de fachada.Se o Parlamento não votasse uma MP no prazo constitucional, ela poderia ser reeditada ad aeternum; a exigência de que tratasse de questões relevantes e urgentes ficou no papel, na ausência de um filtro congressual que só deixasse passar aquelas que atendessem a tais requisitos; e, aberração das aberrações, uma MP poderia conter quantos "contrabandos" (artigos referentes a temas sem relação com o motivo alegado para a medida) o governo quisesse. Em 2001, quando presidente da Câmara, o atual senador Aécio Neves, tentou suavizar as feições do Frankenstein, extinguindo as reedições e determinando o exame separado das MPs pelas duas Casas do Congresso, mas cometeu o grave erro de prever o travamento da pauta legislativa até as medidas serem apreciadas, depois de esgotado o prazo regimental. Com isso, o que restava de autonomia do Congresso foi para o espaço.Na semana passada, o mesmo Aécio relatou o projeto de emenda constitucional que procura eliminar os abusos no sistema das MPs. A proposta passou na terça-feira com o voto unânime dos 60 senadores presentes à sessão. Prevê prazos mais equitativos de tramitação nas duas Casas. Caberá às suas Comissões de Justiça se manifestar sobre a urgência e a relevância dos textos. E, finalmente, nenhuma MP poderá tratar de mais de um tema, fechando-se assim a indústria do contrabando legislativo. Por isso mesmo, sendo o que é a maioria dos políticos, teme-se pela sorte do projeto na Câmara. Diversos deles criticam da boca para fora a sujeição do Congresso ao Planalto, mas, desde que as suas demandas sejam atendidas, não se vexam de contribuir para o apequenamento da instituição.Nesse sentido, desalenta, mas não espanta, a reação do presidente da Câmara, Marco Maia, do PT gaúcho, quando recebeu de uma comissão de 20 senadores o texto da emenda que a Casa aprovara pouco antes. "O governo", perguntou, "está a favor ou contra?"