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Um orçamento minado

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Por Redação
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Localizar e explodir minas tem sido uma tarefa importante de alguns governantes africanos. Se assumir a Presidência, o vice Michel Temer terá um desafio semelhante, mas politicamente mais complicado. A primeira missão será neutralizar as últimas bombas plantadas por sua antecessora, com medidas tributárias mal planejadas e o aumento de valor do Bolsa Família. Algumas iniciativas improvisadas, como a bitributação de heranças e doações, dependerão de votação no Congresso. Se o Executivo quiser, conseguirá desmontar ameaças desse tipo, mesmo com forte resistência de petistas e aliados, antes de qualquer novo estrago nas contas públicas. Será bem mais trabalhoso eliminar outras bombas, conhecidas há mais tempo e deixadas pela presidente Dilma Rousseff, por seu antecessor e também pelos autores da Constituição de 1988 e de emendas.

Esse trabalho mais amplo envolverá, para começar, a identificação das ameaças. As mais visíveis estão associadas às previsões de déficit primário para este e para o próximo ano. A estimativa oficial de um buraco de até R$ 96,65 bilhões nas contas primárias de 2015 (sem juros, portanto) está superada há muito tempo. Pelas últimas projeções, o rombo deve ficar bem acima de R$ 100 bilhões, se nenhuma providência muito dura for tomada em pouco tempo. Mas há muito mais que isso. Estimativas de gastos extraordinários divulgadas ontem pelo Estado apontam valores bem maiores.

Nos próximos três anos, desembolsos especiais podem atingir valores entre R$ 295 bilhões e R$ 590 bilhões, de acordo com relatório da Moody’s, uma das maiores agências de classificação de risco.

Essas despesas, consequências de erros e desmandos cometidos nos últimos anos pela administração petista, poderão incluir aportes de emergência à Petrobrás, à Eletrobrás e a bancos estatais. Também há risco de maiores problemas com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e com o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), já depauperados. A renegociação da dívida dos Estados será uma fonte quase certa de custos adicionais para a União. A proposta inicial de renegociação partiu do Executivo, foi mal conduzida politicamente e converteu-se em mais uma bomba financeira.

Esses números nem são os mais assustadores. Ninguém pode avaliar com segurança o potencial destrutivo dos problemas acumulados por iniciativa do governo ou por sua inépcia no tratamento das questões mais complicadas. Exemplo: se o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovar a mudança dos juros aplicados às dívidas estaduais, de compostos para simples, a União poderá perder R$ 402 bilhões, de acordo com o especialista Pedro Jucá, assessor de assuntos econômicos do Senado.

Qualquer trabalho eficiente deverá incluir uma severa revisão de programas e do gasto rotineiro. Usando o pente-fino, o governo poderá identificar programas cheios de gordura e favores fiscais excessivos ou meramente dispensáveis. A chamada Bolsa Empresário, coleção de velhos e novos benefícios concedidos a empresas, grupos e setores, deve custar neste ano R$ 270 bilhões. “Tem coisa à beça”, comentou o diretor do Insper, Marcos Lisboa, citando subsídios, desonerações e regimes fiscais diferenciados para portos, indústrias químicas, empresas de petróleo, agronegócio e fabricantes de equipamentos de energia eólica. A lista poderia prolongar-se. O baixo crescimento econômico entre 2011 e 2014 e a recessão a partir de 2015 comprovam a ineficiência desses custosíssimos programas e regimes.

É preciso aplicar o pente-fino também aos gastos de verbas vinculadas. Há muito tempo o governo deveria ter sido muito mais rigoroso na seleção das despesas com educação e saúde. O passo seguinte, eliminar as vinculações constitucionais, será politicamente mais complicado. Poderá ficar para o governo seguinte, mas também será indispensável. Muito mais que uma garantia de boa política, vinculação de verbas é um convite ao desperdício e à corrupção.