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Opinião|Um recesso produtivo, bom para mudar o País

Atualização:

Fim de ano, começo de ano, recesso – parece um bom momento para que o País reformule para todos um modelo que o afaste de rumos hoje tão conturbados. E para que setores conceituados da sociedade definam um sistema que pode, como já se comentou neste espaço, incluir caminhos que possibilitem aos cidadãos cobrar de seus representantes em todos os níveis o que desejam – e até afastá-los de seus postos, se necessário. Como acontece em regimes parlamentaristas, por exemplo, e que prevejam o voto distrital e o recall, em que os eleitores, se insatisfeitos, até responsabilizem e destituam esses representantes. Uma tarefa para instituições respeitadas nacionalmente, como igrejas, delegados de categorias sociais (universitários, advogados, cientistas políticos, médicos, professores, engenheiros, arquitetos e outros que tenham contribuições a oferecer).

O que não é concebível é um modelo em que, como agora, a cada dia se revelem novos casos de corrupção, envolvendo quantias fabulosas manipuladas por grandes empreiteiras e outras. Pode-se até achar que é progresso (e é, a revelação), mas não se pode continuar apenas por aí. Pode-se dizer que “sempre foi assim”, mas também é indispensável a inflexão. O autor destas linhas, em sua infância, testemunhou seu pai, pessoa de honestidade a toda prova, renunciar ao cargo de vereador de um pequeno município paulista, ao ouvir numa cerimônia um governador do Estado referir-se com naturalidade a um secretário que fugira para o Paraguai “levando o dinheiro da caixinha”. Mas não se pode aceitar que desonestos continuem prevalecendo; que essa seja “a regra do jogo”; que, de outra forma, “não valeria a pena fazer política”; que é indispensável candidatos serem financiados por grandes doações de empresas nas eleições. E, assim, continuem num mundo à parte, desligado da sociedade.

Também não se pode seguir, como agora, num país onde 1,5 milhão de trabalhadores com carteira assinada tenham perdido seu emprego em um ano. Onde as previsões para o crescimento econômico – tido por muita gente como o mais desejado de todos os índices – sejam todas negativas para 2016. Onde o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) coloque o Brasil em 75.º lugar no mundo (Estado, 14/12) – apesar de ser um território continental, com mais de 12% de toda a água superficial do planeta e de toda a sua biodiversidade.

Não faz sentido que o quase único estímulo desejado para empresas esteja na isenção ou na redução de impostos – quando não na sonegação, que já chegou no ano passado a R$ 500 bilhões (Estado, 12/4/2015). E com a concentração de renda espantosa que leva os detentores das maiores fortunas a deterem alta porcentagem do PIB nacional (2/3/2015). Mas o Brasil todo, do pequeno assalariado ao grande industrial, arca com uma carga tributária de quase 40% deste mesmo PIB, ou R$ 1,6 trilhão por ano em impostos, taxas e contribuições (Estado, 2/12/2014).

Enquanto isso, vamos vivendo em cidades que crescem à matroca, sem planos diretores que as disciplinem – assim como suas relações com os outros aglomerados de áreas metropolitanas; entupindo as ruas com cerca de 3 milhões de veículos a cada ano e taxas de poluição prejudiciais ao ser humano, em índices muito superiores ao máximo admitido pela Organização Mundial da Saúde; e com as pessoas de menor renda vivendo em setores sem nenhuma estrutura.

Não se pensa, entretanto, em regras saneadoras. A última moda, ao contrário, é defender que as próprias empresas façam o autolicenciamento ambiental, quando grande parte delas não cumpre sequer as exigências que estão no licenciamento de hoje – tal como aconteceu no recente desabamento de uma barragem em Minas Gerais.

E por aí vamos, ouvindo a defesa da privatização a qualquer custo, mesmo que seja a dilapidação de um patrimônio construído pela sociedade (como aconteceu no setor ferroviário, que durante um século e meio era o principal e eficiente meio de transporte a distâncias maiores no País, mas foi sucateado para abrir caminho para a indústria automotora – e aos subsídios ao petróleo poluidor e às próprias montadoras).

Saneamento básico nas zonas urbanas? Continuamos devendo em perto de 40% dos domicílios sem coleta de esgotos, com despejo dos dejetos sem tratamento nos rios (se calcularmos que 80 milhões de pessoas não dispõem de ligação de sua residência com a rede de coleta, são 32 mil toneladas diárias de dejetos, média de 200 gramas/dia por pessoa). E com desperdício nas redes de 40% da água que sai das estações de tratamento, por causa de vazamentos e furtos. Como fazer, se as grandes empreiteiras que dominam o setor não se interessam por pequenas obras para eliminar os vazamentos, só por grandes e caras obras de implantação de novas barragens, adutoras e estações de tratamento? E onde ficam a coleta e o tratamento do lixo, além da eliminação de mais de mil lixões urbanos?

Onde está um novo modelo energético, num país que, com a energia solar e eólica de que pode dispor, se dá ao desplante de pensar em novas termoelétricas, inclusive movidas a carvão (as mais poluidoras)? E onde fica a reforma agrária pela qual clamam todos os dias as organizações de trabalhadores no campo? Que se pensa da Amazônia, onde os índices de desmatamento voltaram a crescer?

Ainda falta mencionar os índices de violência no País ou a morosidade que acumula montanhas de processos na Justiça. Sem nem sequer chegar às verbas decrescentes na educação e na saúde. E muito mais.

Quando se lê o rol de deficiências nacionais, chega-se a pensar que é quase um milagre que o País continue superando com suas próprias forças – principalmente dos setores mais carentes – o que falta. E em paz. Só não se pode dar como certo é que continue assim, apesar dos pesares. É indispensável chegar rapidamente a um modelo de governança eficaz.

*WASHINGTON NOVAES É JORNALISTA. E-MAIL: wlrnovaes@uol.com.br

Opinião por Washington Novaes