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Um retrato da Justiça criminal

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Por Redação
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Uma semana depois de o Ministério da Justiça ter divulgado o Mapa da Violência de 2013, mostrando que a taxa de mortalidade por armas de fogo está aumentando e que a taxa de homicídios por 100 mil habitantes continua alta, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anunciou que as varas de execução penal e as câmaras criminais das Justiças estaduais não conseguiram cumprir a meta de julgar, até o fim do ano passado, todos os processos de homicídios dolosos instruídos até o fim de 2007. Os processos instruídos são aqueles prontos para serem julgados por um Tribunal do Júri. Isso dá a medida do tamanho da crise da segurança pública no País, que registra 29 homicídios para cada 100 mil habitantes - quando a média mundial é de 8,8 homicídios por 100 mil. Quando a meta do CNJ foi fixada, em fevereiro de 2010, existiam em todo o País 25,9 mil ações de homicídio doloso devidamente instruídas desde 2007, aguardando julgamento. Só 14,7 mil ações - o equivalente a 57,05% - foram julgadas dentro do prazo. E, dos 27 Tribunais de Justiça, apenas o de Sergipe honrou o compromisso firmado com o CNJ. Seguiram-se os tribunais do Amapá e o do Distrito Federal, que cumpriram 90,9% e 98,2% da meta, respectivamente. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro teve um desempenho acima da média, tendo atingido 73,9% da meta. A última posição do ranking ficou com o Tribunal de Justiça da Paraíba que, entre 2010 e 2012, julgou apenas 19,4% dos processos que já se encontravam instruídos em dezembro de 2007. Os Tribunais de Justiça de Alagoas, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Tocantins e São Paulo julgaram menos da metade das ações penais de homicídio doloso anteriores a 2007. O de São Paulo só atingiu 36,2% da meta negociada com o CNJ. Mais uma vez, alguns Tribunais de Justiça não esconderam sua resistência ao controle administrativo feito pelo CNJ. Três tribunais - os do Pará, Piauí e Santa Catarina - enviaram dados incompletos. Como essas cortes não distinguiram o número de ações penais julgadas do número de processos que aguardam a data para realização do Tribunal do Júri, seus dados não foram incorporados pelo levantamento. E o de Pernambuco não enviou qualquer tipo de informação, o que foi interpretado como provocação por alguns conselheiros do CNJ. Dadas essas omissões, a situação real do sistema judicial criminal pode ser ainda mais preocupante do que a revelada pelo levantamento do CNJ. "O quadro é alarmante. O sistema judicial está em colapso", diz o ministro Gilmar Mendes, que presidia o CNJ quando a meta foi fixada, há dois anos. "Uma coisa é não mostrar resultados positivos. Outra é sonegar informações", afirma o conselheiro Bruno Dantas, que cogita de abrir sindicância administrativa na Justiça estadual pernambucana para apurar a responsabilidade pela sonegação dos dados. Segundo o levantamento do CNJ, das mais de 41 mil ações penais de homicídio ajuizadas até o fim de 2008, cerca de 24,6 mil, por falhas de instrução ou congestionamento dos tribunais, ainda não chegaram nem mesmo à fase de pronúncia - quando o caso pode ser encaminhado a julgamento pelo Tribunal do Júri. Desse modo, elas correm o risco de prescrever. "Estamos tratando de homicídio e tentativa de homicídio", adverte Gilmar Mendes. "A prescrição em casos de homicídio é um tapa na cara da sociedade. O Poder Judiciário não pode compactuar com isso", afirma o conselheiro Bruno Dantas.O levantamento do Conselho Nacional de Justiça, que desde sua criação vem montando um banco nacional de informações estatísticas para ajudar o Poder Judiciário a se modernizar administrativamente e a planejar suas atividades, toca num ponto fundamental da crise da segurança pública no País. Quando as varas de execução penal e as câmaras criminais dos Tribunais de Justiça não funcionam a contento, gera-se um sentimento de impunidade. E quanto mais generalizado é esse sentimento, maiores tendem a ser as taxas de reincidência criminal e os índices de violência.