Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Um revés para o Hezbollah

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

Em eleições livres e limpas, com poucos incidentes, a coligação pró-ocidental 14 de Março obteve uma nítida e surpreendente vitória no pleito de domingo para a escolha do novo Parlamento do Líbano. Apoiada ostensivamente pelos Estados Unidos, que semanas atrás enviaram a Beirute em missão eleitoral ninguém menos do que o vice-presidente Joe Biden, a aliança governista de grupos cristãos, drusos e muçulmanos sunitas liderada por Saad Hariri, filho do primeiro-ministro Rafiq Hariri, assassinado em 2005, arrebatou 71 das 128 cadeiras em disputa. O bloco de oposição intitulado 8 de Março, reunindo desde setores cristãos aos radicais xiitas do Hezbollah ligados à Síria e ao Irã, elegeu 57 deputados. A legitimidade do resultado, sob uma nova lei eleitoral que o próprio movimento extremista havia patrocinado, foi imediatamente reconhecida pelo seu líder, xeque Nassan Nasrallah, que, embora assinalasse que o Hezbollah manteve as 11 cadeiras obtidas na disputa anterior, há quatro anos, afirmou aceitar a vitória dos adversários "com espírito esportivo e democrático" - termos pouco característicos da sua incendiária retórica. Mas na enovelada política libanesa, que gira em torno da rivalidade das numerosas facções etnorreligiosas de que se compõe esse país de pouco mais de 10 mil km² e cerca de 4 milhões de habitantes (entre eles 200 mil refugiados palestinos) - permanentemente à sombra da intromissão síria e do militarismo israelense -, mesmo uma eleição pacífica como essa, cujo desfecho foi unanimemente acatado, é apenas uma de uma sequência de etapas de desdobramentos incertos para a formação de um governo efetivo, capaz de assegurar a estabilidade nacional e a convivência civilizada entre as suas forças políticas. Depois de uma guerra civil que durou de 1975 a 1990 e parecia ressurgir em maio do ano passado, quando as milícias do Hezbollah ocuparam a área predominantemente sunita de Beirute, o Líbano tem de fato uma chance para se firmar como uma democracia no mundo árabe-muçulmano, marcado por autocracias, teocracias e monarquias absolutistas. O que nos autoriza a saudar o pleito libanês como a primeira manifestação tangível de um "efeito Obama" no Oriente Médio. Afinal, as urnas infligiram um forte revés ao Hezbollah e seus mentores de Teerã - o que, segundo os otimistas, poderá prejudicar a reeleição do carbonário presidente Mahmoud Ahmadinejad na votação iraniana de hoje. No Líbano, porém, a supremacia eleitoral não se traduz automaticamente em hegemonia política. Todo o sistema, para começar, foi construído para assegurar uma espécie de representação paritária dos componentes da peculiar demografia libanesa. Por lei, metade do Parlamento cabe aos cristãos (maronitas, ortodoxos, católicos, protestantes), metade aos muçulmanos (sunitas, xiitas, drusos, alauitas). E cada metade é distribuída proporcionalmente às respectivas partes. Além disso, o primeiro-ministro tem de ser um sunita; o presidente do país, um cristão maronita; e o do Parlamento, um xiita. Esse modelo institucional, por si só, favorece a formação de governos ditos de união nacional - do que já se fala em Beirute. O problema é o lugar, nesse arranjo, do Hezbollah, que figura no rol das organizações classificadas como terroristas pelos Estados Unidos e não admite abrir mão de seus arsenais - embora uma resolução do Conselho de Segurança da ONU exija o seu desarmamento - nem tampouco do direito de veto sobre as decisões do Gabinete, conquistado numa dessas negociações cíclicas com que os libaneses tentam acomodar as disputas de poder sempre prontas a descambar para a violência. A maioria parlamentar saída das urnas de domingo quer que o direito de veto passe a ser exercido por uma combinação de atores políticos. O xeque Nasrallah reivindica voz ativa na composição do Ministério e a oportunidade de participar da indicação do próximo primeiro-ministro, como se o cargo não coubesse naturalmente ao líder da aliança vencedora da disputa, Saad Hariri. Apesar das demandas do Hezbollah - que conflitam com os resultados eleitorais - não parece haver ambiente, a curto prazo, para uma escalada de tensões. Nem a Síria nem o Irã estão em condições de fomentá-las.