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Um Simples Trabalhista

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Por Roberto Macedo
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Recentemente assisti a uma palestra do professor José Pastore na qual apresentou proposta, elaborada em conjunto com o tributarista Everardo Maciel, para a criação de um regime especial trabalhista para empresas já credenciadas no Simples. Esse é o nome dado ao Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos por pequenas e microempresas. Como pano de fundo, e conforme dados de 2006 então apresentados, há no Brasil um imenso contingente de trabalhadores ditos informais, estimado em 44,9 milhões, que nesse ano representava 54% do total de pessoas ocupadas, excluídos servidores públicos, inclusive militares. Desse total, 14 milhões declararam-se trabalhadores por conta própria e 15,8 milhões, na condição de empregados. Na realidade, informal é um eufemismo para situações ilegais de empresas e de seus trabalhadores, o que também abre espaço para outras ilegalidades, até de natureza criminal. Ademais, essa ilegalidade implica a ausência de importantes benefícios sociais, como a aposentadoria regular pelo INSS e pensão para cônjuge e dependentes. Há assim um enorme problema a enfrentar, sempre postergado, apesar de sua enorme dimensão e gravidade. Este mês passou a vigorar a Lei Complementar nº 128, de 2008, que facilita a legalização da atividade dos trabalhadores por conta própria com faturamento anual até R$ 36 mil por ano, mediante pagamento mensal de R$ 57,15, a título de INSS, e de ICMS e ISS quando devidos, com a isenção de todos os demais impostos e contribuições e com direito a CNPJ, emissão de nota fiscal e demais legalizações. Essa lei é conhecida como do MEI, ou microempreendedor individual. O importante agora é fazê-la pegar, para o que será necessário o empenho dos governos federal, estaduais e municipais, para estimular e facilitar a adesão ao regime fiscal que estabelece. Assim, foi com grande satisfação que vi representantes desses três níveis de governo participando conjuntamente de cerimônia realizada no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, no último dia 30, para lançamento do MEI neste Estado. Neste país, um raríssimo evento político de caráter suprapartidário e voltado para o interesse nacional. Portanto, com o MEI dirigido aos trabalhadores por conta própria, o próximo passo legislativo precisa ser um grande e efetivo esforço de idêntica natureza para legalizar esse já citado contingente de 15,8 milhões de empregados. Hoje as dificuldades para a legalização são muito fortes, pois, mesmo no Simples, são enormes os custos e outras obrigações trabalhistas que os pequenos e microempresários enfrentam para registrar e gerir seus empregados. Dentro desse conjunto, entre outros itens, há o FGTS de 8% sobre os salários (mais indenização de 50% sobre o saldo acumulado em caso de demissão sem justa causa), o pagamento do 13º salário em duas parcelas, o adicional de 30% sobre as férias e restrições ao seu fracionamento, a participação nos lucros e resultados (PLR) em caráter semestral, as custas de perícias ligadas a questões de saúde e segurança no trabalho, os pisos salariais negociados pelos sindicatos e as horas extras e noturnas com adicional de 50% e 20%, respectivamente (mais o que for determinado em convenções coletivas). Além de tudo isso, o ônus de arcar com a papelada e o trabalho de cumprir todas essas obrigações, mais os custos determinados por convenções negociadas e influenciadas por empresas e de médio e grande porte, em melhores condições de arcar com todos esses encargos. Imagine-se o leitor na condição de pequeno ou microempresário, trabalhando pessoalmente em lojas, indústrias ou serviços pessoais, e verá como é inviável assegurar uma rentabilidade que permita remunerar-se e cumprir todos esses encargos, o que torna assim praticamente inevitável uma ampla ilegalidade em questões trabalhistas. Nessas condições, melhor seria aceitar essa dualidade de condições das empresas e do mercado de trabalho e admitir que a legislação a incorpore, determinando que as pequenas e microempresas tenham também tratamento trabalhista diferenciado. O regime assim proposto por Pastore e Maciel viria com adesão voluntária, mediante termo assinado no Ministério do Trabalho, e admitiria acordos entre empregados e empregadores nos casos dos adicionais por hora extra, além dos limites numéricos citados acima, dos parcelamentos também já referidos e do FGTS, entre outros aspectos. Além disso, poderiam ser realizados acordos entre empregadores e comissões de empregados com relação ao piso, PLR e perícias apenas por entidades públicas, novamente entre outros itens. Os sindicatos também poderiam negociar convenções específicas para as pequenas e microempresas. Essa proposta do Simples Trabalhista está a merecer uma ampla discussão, pois oferece alternativa para solucionar com amplitude esse imenso problema econômico e social. Seria mais uma oportunidade para a classe política dizer a que veio e para várias organizações da sociedade civil porem em prática seu discurso de inclusão social. É preciso que ela ocorra em bases realistas, em lugar de pretender que todos se curvem a uma legislação sem condições de ser aplicada. Assim, é necessário que a lei se flexibilize e se curve de forma seletiva diante de uma realidade que regras adotadas há mais de meio século não conseguem mudar. Em particular, os próprios sindicatos de trabalhadores deveriam despertar para essa oportunidade de atender a uma enorme clientela potencial hoje excluída de suas ações, estas voltadas apenas para empresas e trabalhadores legalizados de uma forma que inexoravelmente exclui uma dezena e meia de milhões de brasileiros. Roberto Macedo, economista (UFMG, USP e Harvard), professor associado à Faap, é vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo