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Um sinal inquietante

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Por Redação
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O governo deu um sinal preocupante ao indicar a possibilidade de descontar até R$ 55,8 bilhões da meta fiscal fixada para este ano - um superávit primário de R$ 81,8 bilhões. O superávit primário é o dinheiro posto de lado para o pagamento de juros e da amortização da dívida pública. Essa economia é indispensável para o governo reduzir o peso de sua dívida e aumentar a segurança e a flexibilidade de suas contas. A longo prazo, é uma condição necessária ao crescimento econômico seguro e duradouro. O Executivo poderia descontar aquele valor somando os R$ 32 bilhões previstos neste ano para o PAC e R$ 23,8 bilhões de "excesso" em relação à meta ajustada do ano passado. Essa possibilidade foi indicada pelo Ministério do Planejamento, ao divulgar, na segunda-feira, o relatório de avaliação orçamentária do primeiro bimestre. A mera referência ao assunto é inquietante, porque alimenta a suspeita de um retorno à permissividade - acentuada nos últimos dois anos - na administração das finanças públicas. Logo depois de sua eleição a presidente Dilma Rousseff prometeu seriedade na política fiscal. Repetiu o compromisso no dia da posse, prometendo cautela no gasto e atenção à qualidade da gestão pública. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou a intenção do governo de trabalhar por um superávit primário cheio, isto é, sem os descontos de verbas destinadas a investimentos.Um retorno às práticas saudáveis deveria envolver, também, o abandono de outros artifícios, como aqueles empregados em 2010 para converter a despesa de capitalização da Petrobrás numa receita extraordinária de cerca de R$ 32 bilhões. Nenhum funcionário do atual governo chegou a esse detalhe, mas uma política realmente séria deveria incluir esse ponto. Os cortes anunciados pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, há algumas semanas, confirmaram, no essencial, o compromisso de reabilitação da política fiscal, embora a economia real deva ser inferior aos R$ 50,7 bilhões indicados oficialmente. Feitos alguns ajustes, o governo decidiu cortar R$ 36,2 bilhões dos empenhos de verbas autorizados para o ano. A esse total foram acrescentados R$ 577,1 milhões, de acordo com o relatório de avaliação bimestral divulgado nesta semana.O governo decidiu aumentar o corte depois de reexaminar a previsão de receitas e despesas deste ano. A perspectiva de uma arrecadação menor que a anteriormente prevista resultou principalmente do reajuste de 4,5% na Tabela do Imposto de Renda Pessoa Física. Os indicadores econômicos tomados como referência para os cálculos também foram parcialmente alterados. Foi mantida a projeção de 5% para o crescimento econômico e para a inflação medida pelo IPCA. Mas a taxa média de juros prevista para o ano (Selic) passou de 10,75% para 11,58%. O preço médio do barril de petróleo subiu de US$ 88,49 para US$ 98,34. Pode ter havido otimismo na estimativa de alguns desses indicadores. O Banco Central projeta um crescimento econômico de 4,5%, número pouco maior que o do mercado financeiro (4,03%, segundo levantamento concluído na sexta-feira). A inflação projetada pelo mercado subiu de 5,82% para 5,88% nessa mesma pesquisa. A avaliação bimestral do orçamento é uma boa prática administrativa prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas não basta para garantir seriedade.A avaliação é encaminhada ao Congresso, para formalização das mudanças consideradas necessárias. Mas os congressistas brasileiros não são conhecidos como paladinos da austeridade fiscal. Ao contrário: manifestam-se com frequência para defender maiores gastos e para protestar contra qualquer tentativa do Executivo de podar os excessos mais visíveis. Quanto a esse ponto, não há diferença entre situacionistas e oposicionistas. Responsabilidade fiscal, no Brasil, depende essencialmente - ou mesmo exclusivamente - do Executivo. As promessas iniciais de seriedade fiscal do governo Dilma Rousseff provocaram um otimismo compreensível. A mera possibilidade de um recuo é altamente inquietante.