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Um templo imprevisto

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Por Redação
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O Templo de Salomão, sede mundial da Igreja Universal do Reino de Deus, foi previsto nos mínimos detalhes. Só não se previu sua plena regularização na Prefeitura. Mas, generosa, a Prefeitura de São Paulo acaba de renovar sua licença provisória de funcionamento por mais seis meses. E ainda fez um agrado ao bispo Edir Macedo: concedeu a renovação da licença antes da realização das contrapartidas que a Igreja Universal do Reino de Deus precisa fazer. O templo, com capacidade para abrigar 10 mil pessoas sentadas e que conta com 1,2 mil vagas de estacionamento, pode continuar funcionando normalmente.Localizado na Avenida Celso Garcia, no bairro do Brás, o Templo de Salomão tem cerca de 100 mil m² de área construída. O seu tamanho lhe proporcionou o título de maior igreja construída até hoje no Brasil. E a sua inauguração, em julho do ano passado, fez jus à sua grandiosidade. Participaram da cerimônia a presidente Dilma Rousseff, o vice-presidente Michel Temer, o governador Geraldo Alckmin, o prefeito Fernando Haddad, entre outras autoridades.No entanto, o período anterior à inauguração foi um pouco tenso para os seus promotores. Até um mês antes da data de abertura, a construção não havia obtido as licenças necessárias. Faltavam 13 dias para a inauguração quando a Prefeitura concedeu uma licença provisória de funcionamento. A concessão da licença demorou porque, aos órgãos públicos, o que se havia requerido era uma banal reforma de prédio existente - e não, como se pretendia desde o início, a construção da maior igreja brasileira. Foi uma "reforma" que transformou uma construção de 2.687 m² num templo de 100 mil m².Com a classificação de "reforma", a Igreja Universal do Reino de Deus teve de pagar apenas as contrapartidas exigidas pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) - cinco rebaixamentos de guias, a instalação de seis semáforos e o plantio de 25 mudas de árvores. Na ocasião, a Prefeitura entendeu que a obra do templo, estimada em R$ 680 milhões, não merecia ser classificada como "polo gerador de tráfego".Além da classificação como "reforma", havia outro obstáculo para a obtenção da licença. O templo foi construído numa área reservada à construção de moradias populares, conforme previa o Plano Diretor de 2004. Esse pequeno empecilho, no entanto, já foi resolvido. Durante a votação do novo Plano Diretor da cidade, os vereadores generosamente alteraram a classificação da área.No momento, a Prefeitura e o Ministério Público Estadual - que em fevereiro de 2014 abriu um inquérito para investigar as licenças concedidas ao templo - negociam com a Igreja Universal do Reino de Deus possíveis contrapartidas. Segundo o Estado apurou, as possíveis contrapartidas são a doação, pela Igreja, de um terreno de 60 mil m² para a construção de 3.500 moradias populares ou o pagamento de um valor estimado em R$ 96 milhões, que seria aplicado em melhorias no sistema viário do entorno do templo, bastante prejudicado durante os cultos diários das 10 e das 19 horas.No entanto, antes mesmo da definição dessas contrapartidas, a Prefeitura renovou a licença provisória de funcionamento do templo por mais seis meses. Alega que o documento pode ser emitido para empreendimentos que ainda não estão totalmente regularizados. Não falta razão à Prefeitura. Mas será que outros empreendedores imobiliários podem esperar receber um tratamento similar? Ou, o que seria da cidade se a Prefeitura adotasse como regra esse tratamento tão generoso?Talvez a justificativa para tamanha generosidade esteja no próprio site da Prefeitura, que lista o espaço do bispo Edir Macedo entre os pontos turísticos da cidade de São Paulo, qualificando-o como "uma obra de arquitetura monumental". Novamente, não falta razão à Prefeitura. Pena que tenha percebido essa grandiosidade apenas após a sua inauguração, e não em 2008, ao dar uma licença de "reforma" para a construção de um templo com 100 mil m².