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Uma abertura açodada

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Por Redação
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Após negociação com o governo federal, foi aprovada no Senado a conversão em lei da Medida Provisória (MP) 714. Ao tramitar na Câmara, introduziu-se uma emenda no texto original liberando a participação de até 100% do capital estrangeiro com direito a voto nas companhias aéreas nacionais. Conforme já anunciou o governo Michel Temer, tal abertura deverá ser vetada.

Em março de 2016, a presidente Dilma Rousseff editou a MP 714 que, entre outras alterações, ampliou os limites de participação de capital estrangeiro em companhias aéreas nacionais. Para que uma empresa possa explorar o serviço público de transporte aéreo regular, o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/86) exige que ao menos 80% do capital com direito a voto pertença a brasileiros. Além de reduzir o limite mínimo na mão de brasileiros para 51%, a MP 714 excluiu qualquer limitação ao capital estrangeiro nos casos de existência de acordo de reciprocidade entre o Brasil e o país da empresa estrangeira. A MP 714 também suprimiu a exigência de que a direção da companhia fosse confiada exclusivamente a brasileiros.

A exposição de motivos da MP 714 afirmava que essas alterações almejavam a redução das barreiras à entrada de novas empresas, o estímulo ao desenvolvimento de serviços aéreos em todo o território brasileiro e o fomento à concorrência no setor. Certamente são bons objetivos, que merecem cuidadoso estudo sobre quais são os meios mais idôneos para alcançá-los. Não menos certo, porém, é o fato de que medida provisória, com seu rito especial abreviado, não é o caminho adequado para o debate de possíveis alterações no marco regulatório da aviação civil. Veja-se, por exemplo, a dificuldade – talvez a impossibilidade – de reverter a ampliação do limite do capital estrangeiro em empresas aéreas, uma vez realizada a operação.

Apontada como o motivo de fato para a alteração desse limite, a situação deficitária de várias companhias aéreas não configura razão suficiente para a alegada urgência da MP 714. Ainda que possa produzir algum alívio financeiro às empresas, a maior permissão para investimento estrangeiro não resolve as causas da situação deficitária do setor, diretamente relacionadas ao modelo de negócio vigente na aviação não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro.

Não bastasse a imprudência do governo Dilma Rousseff na edição da MP 714, foi incluída emenda, durante a tramitação da medida na Câmara dos Deputados, revogando qualquer limite ao capital estrangeiro na participação acionária das companhias aéreas nacionais.

Capaz de viabilizar a venda total das empresas a estrangeiros, a mudança pode acarretar outros efeitos além do simples alívio financeiro às companhias aéreas. Não se trata de demonizar o capital estrangeiro, que pode contribuir decisivamente para a consolidação de um setor aéreo dinâmico e financeiramente saudável.

Além de ser um serviço público, e por isso dependente de concessão, a aviação civil tem um papel estratégico, tanto para o desenvolvimento e integração das diversas regiões do País como para a defesa nacional. O interesse público do setor aéreo vai além da saúde financeira das empresas – logicamente, uma condição necessária – ou do preço acessível dos bilhetes aéreos.

A liberação total de capital estrangeiro nas companhias aéreas pode também ser uma abertura para a adoção da chamada “política de céus abertos”, uma iniciativa norte-americana que permite a operação de trechos internos por companhias aéreas estrangeiras. Os Estados Unidos, não por acaso, não permitem que empresas estrangeiras realizem serviços domésticos nas linhas internas norte-americanas. A experiência negativa de alguns países com tal política deve ser um sinal de alerta. Na pretensão de resolver uma situação de curto prazo, podem ser criados sérios problemas de longo prazo. É oportuno, portanto, o anunciado veto. Há a lamentar, no entanto, que a precipitação em abrir o capital das aéreas significou um retrocesso, mantendo-se o limite máximo de 20% de capital estrangeiro.