23 de agosto de 2012 | 03h05
Depois de ouvir de tudo, inclusive a assustadora afirmação de que "a vida útil do livro está cada vez mais curta", proferida por representante de uma das maiores editoras brasileiras, ficou evidente que a solução, de resto, óbvia, para os problemas que o livro enfrenta no cumprimento de sua missão civilizadora passa realmente por pôr o assunto em pauta nos foros adequados. A ameaça ao advento de novas obras clássicas e permanentes, implícita no fato de que a vida útil do livro está "cada vez mais curta", é rigorosamente verdadeira quando considerada do ponto de vista míope e ganancioso do tipo de gestão predominante no negócio editorial. Mas como este não é, obviamente, o único ângulo pelo qual a questão pode ser levada em conta, vale a pena perseverar na discussão, pelo menos para quem ainda acredita que a literatura brasileira tem um papel importante a cumprir na formação cultural de nossa gente.
A grande dificuldade é que parece existir, em todos os círculos que se poderia imaginar interessados nessa discussão, um certo pudor, se não desinteresse, em pô-la em pauta. De qualquer modo, como sugestão à reflexão, proponho a hipótese de que o atual status de nosso mercado editorial - de modo particular no segmento trade, aquele que produz títulos para comercialização principalmente em livrarias - é sustentado por quatro pilares.
O primeiro é exatamente a ação do big business, representado pela conjugação de interesses das grandes casas publicadoras com os das grandes cadeias do varejo. Aí não há muito a fazer. É assim que a banda toca mundo afora. Livro também é negócio e os negociantes têm o direito de agir como se livro e lata de salsicha fossem, como produto, a mesmíssima coisa. Alguns deles, talvez por desencargo de consciência, ainda abrem seus catálogos e estantes a escritores brasileiros de ficção, mas para edições limitadas a tiragens mínimas e sem nenhum investimento importante em divulgação. Quando se trata de ficção, o grande negócio editorial reserva-se o direito de investir pesado quase que exclusivamente em títulos com histórico de sucesso lá fora, que aqui chegam precedidos pelos ecos desse sucesso.
É a lógica do mercado, em que o consumo de massa - coisa que ainda estamos longe de ter por aqui - implica necessariamente conteúdos mais acessíveis ao leitor comum, menos exigente ou preparado intelectualmente. A diferença é que culturas mais sólidas e enraizadas, como as do Primeiro Mundo, são naturalmente mais imunes às apelações editoriais que, entre nós, acabam concorrendo predatoriamente com a boa e necessária literatura brasileira.
O segundo pilar é a mídia, que, quando se trata de livro, se limita - competentemente, justiça seja feita - às questões estritamente literárias, de preferência as mais sofisticadas, passando ao largo da discussão, quando não ignorando olimpicamente o fato de enorme relevância cultural de que o nível dos conteúdos publicados está cada vez mais sofrível e, principalmente, de que a dispendiosa loteria do best-seller está sitiando a literatura brasileira no reduto das pequenas e médias editoras, ou das casas publicadoras públicas ou acadêmicas, que atuam quase que marginalmente no mercado.
O terceiro pilar é a falta de políticas públicas destinadas a corrigir as distorções do mercado editorial, como a concentração, que favorece os interesses econômico-financeiros em detrimento dos culturais. Se é o pequeno e médio negócio editorial que ainda se preocupa com os conteúdos relevantes, embora frequentemente problemáticos do ponto de vista comercial, por que não se desenvolve uma agressiva política de apoio a esse pequeno e médio negócio? Entidades representativas desses segmentos dispõem de sugestões para políticas públicas inovadoras e reguladoras das distorções do mercado, como programas de financiamento e incentivos fiscais mais generosos e eficientes do que aqueles que já são compartilhados com as grandes empresas do setor. O brasileiro já lê pouco. Não faz sentido permitir que leia cada vez pior.
Finalmente, uma questão delicada, com enorme potencial de ferir melindres: o quarto pilar a sustentar o atual status do mercado editorial brasileiro é o comportamento dos próprios escritores brasileiros. Especialmente daqueles que desfrutam de reconhecimento e prestígio e que, exatamente por isso, teriam condições de se fazer ouvir. Mas a maioria prefere se instalar na zona de conforto que conquistou e se conformar até mesmo com o fato de que a venda de suas obras está quase sempre muito aquém de seu potencial mínimo, pelo simples fato de que as editoras se recusam a investir nelas em tiragem e divulgação. Lista de mais vendidos, portanto, nem pensar!
* JORNALISTA E EDITOR
E-MAIL: APQDM@UOL.COM.BR
Encontrou algum erro? Entre em contato