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Uma lei à espera do Planalto

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Por Redação
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Aprovada pelo Congresso sob o impulso das manifestações de junho de 2013, a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13) completa um ano de vida, e seis meses de vigência. Continua, no entanto, à espera de ser posta em prática. Até o momento, não foi aberto no plano federal nenhum processo administrativo. Com instrumentos novos e sem ter sido regulamentada pelo Planalto, ela gera muitas dúvidas e uma pergunta. Será aplicada em algum momento?Com a lei, o País cumpriu compromissos internacionais, em particular a Convenção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais. Assinada pelo Brasil em 1997 e ratificada em 2000, a convenção previa a adoção pelos países signatários de instrumentos legais para responsabilizar empresas que participassem de ações ilícitas junto à administração pública, nacional ou estrangeira.Uma das novidades da lei é a responsabilização objetiva (não é necessário comprovar dolo ou culpa) das pessoas jurídicas por atos lesivos à administração pública. Antes da lei, o agente corruptor respondia pessoalmente, ficando a empresa isenta de responsabilidade pelos atos de corrupção do empregado. Responsabilizar objetivamente as empresas era um importante passo para a promoção de uma cultura empresarial que desestimule a prática de atos de corrupção. A lei criou ainda o Cadastro Nacional de Empresas Punidas, no qual se arrolariam companhias multadas e o tipo de sanção.Seguindo a experiência de outros países, a lei previu a possibilidade de acordo de leniência, figura equivalente à delação premiada, entre a empresa corruptora e a administração pública. Segundo Agustín Flah, consultor do Banco Mundial para casos de corrupção e lavagem de dinheiro, "nos Estados Unidos, mais de 88% de casos transnacionais de pagamento de propinas foram resolvidos por acordo e uma pequena parte foi a juízo. Isso acelera a resolução dos casos e reduz a carga sobre o Judiciário".No entanto, tudo isso - mesmo que vigente - está na categoria de possibilidade no plano federal, pois o Palácio do Planalto ainda não expediu um decreto regulamentando a lei. Em janeiro, o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, disse que o decreto estava "praticamente pronto", mas precisava passar pelo crivo da presidente Dilma Rousseff. Segundo ele, a regulamentação sairia na semana seguinte. Agora, seis meses depois, a Casa Civil informa que o decreto continua em análise, mas que a lei "já está em vigor, independentemente de qualquer regulamentação".É verdade que a lei está em vigor, mas a falta de regulamentação lhe tira a eficácia. Por exemplo, para que os acordos de leniência saiam do papel, isto é, que as empresas se sintam seguras em dar ciência ao poder público dos atos de corrupção praticados por seus empregados, é preciso uma garantia de sigilo. Caso contrário, os riscos de danos à imagem da empresa - causados pelo vazamento de informações, coisa não rara no País - superam qualquer benefício que tivesse por informar a ocorrência dos atos lesivos à administração pública.Ao sancionar a lei em agosto de 2013, a presidente Dilma vetou três de seus dispositivos. Ela permitiu, por exemplo, que o valor da multa exceda o valor total do bem ou serviço contratado, ou seja, deixou a lei mais dura. Mas, como se vê, era apenas uma reação ao calor do momento, com as manifestações das ruas clamando por mais ética na vida pública. A lei está em vigor há seis meses, mas ainda não há decreto que a regulamente. Mais um caso em que o Palácio do Planalto, podendo fazer algo positivo, não o fez.Em tempo. Desde fevereiro, o Estado de São Paulo conta com o Decreto Estadual 60.106/14, que regulamenta a aplicação da Lei Anticorrupção no plano estadual. Com o decreto, criou-se o Cadastro Estadual de Empresas Punidas, e já são viáveis a abertura de processos administrativos e a aplicação de sanções, por exemplo, pela Corregedoria-Geral da Administração. É um passo.