
29 de março de 2013 | 02h08
"Foi uma manipulação inadmissível de minha fala", disse a presidente, numa vã tentativa de atribuir a outras pessoas o próprio erro. Não houve manipulação. Durante o dia todo as emissoras de televisão reapresentaram a desastrada fala presidencial sobre a "política superada" de combate à inflação. Sua declaração foi interpretada, como era de esperar, como condenação do uso dos juros no combate à inflação. Nenhuma outra interpretação seria mais compatível com o discurso habitual de quem apresenta como conquista do governo a redução dos juros básicos.
O presidente do BC, Alexandre Tombini, foi mobilizado para cuidar do estrago. Em entrevista ao Broadcast, serviço de informação em tempo real da Agência Estado, ele tentou desfazer o "mal-entendido". Afirmou o compromisso da presidente com o combate à inflação como "um valor em si", negou a tolerância à inflação e acrescentou uma explicação tão importante quanto tardia: "De inflação fala a equipe econômica. Em relação à política de juros fala o BC". Mas esta é a mais perfeita negação do comportamento habitual da presidente e também do ministro da Fazenda. Sobram razões para ninguém levar a sério, desde o começo do atual governo, o discurso oficial sobre a autonomia do BC.
O escorregão presidencial já seria bastante grave, e até grotesco, se o episódio tivesse terminado na quarta-feira. Seria difícil, no entanto, apagar em tão pouco tempo as impropriedades ditas em tom professoral pela presidente da República. Ela tentou provar seu ponto de vista apontando o contraste do baixo crescimento econômico do ano passado com a inflação próxima de 6%. Segundo ela, a alta de preços decorreu de um fator externo e fora do controle do Brasil - a alta das cotações das commodities. Qual teria sido o crescimento - esta é a pergunta implícita - se os juros tivessem subido?
É uma argumentação ingênua, incrivelmente inepta e desmentida no Relatório de Inflação divulgado ontem. Ao mencionar a resistência da inflação, o documento cita a alta de preços do setor de serviços (8,66% nos 12 meses até fevereiro), "a maior dispersão recentemente observada" nos aumentos de preços ao consumidor, além de "pressões sazonais e pressões localizadas no segmento de transportes, entre outros fatores".
Faltou acrescentar: o encarecimento dos serviços e a dispersão dos aumentos são claros indícios de inflação de demanda, sustentada por fatores também citados no relatório, como a geração de emprego e renda e a expansão do crédito (moderada, segundo o BC, mas nem tanto). Falta uma ressalva. Não se pode chamar de "recente" a dispersão dos aumentos, há muito tempo destacada pelos analistas independentes.
Para completar, o relatório contesta a oposição simplória entre crescimento econômico e combate à inflação. Segundo o documento, a evidência internacional, ratificada pela experiência brasileira, aponta distorções graves resultantes da inflação elevada. Essas distorções aumentam os riscos e deprimem os investimentos, encurtando os horizontes de planejamento das famílias, empresas e governos e reduzindo a confiança dos empresários. Em suma, taxas altas de inflação "reduzem o potencial de crescimento da economia" e as possibilidades de geração de emprego e renda. Esse relatório seria uma leitura instrutiva para a presidente.
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